segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Restabelecendo a comunhão com o irmão

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“E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores” (Mt 6.12). Essa é uma das petições da oração que o Senhor Jesus ensinou a seus discípulos e nos mostra o quão importante é atentar ao que oramos. Pedimos que o Senhor nos perdoe como temos perdoado! Se você é um leitor atento, vai lembrar que após encerrar a oração o Senhor fez um adendo: “Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará; se, porém, não perdoardes aos homens [as suas ofensas], tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas” (Mt 6.14-15).

Isso aponta para uma verdade incontestável: o perdão é um imperativo! A Escritura não dá a mínima margem para que exista a falta de perdão. Não poderia ser diferente, pois somos chamados para ser povo do Senhor, corpo de Cristo e, como corpo, precisamos dar suporte uns aos outros e “preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz” (Ef 4.3).

Infelizmente muitos cristãos têm uma ideia equivocada sobre o perdão e, quando “perdoam”, o fazem segundo o seu próprio entendimento. É preciso, entender o que as Escrituras falam acerca do perdão.

Não espere sentir vontade para perdoar

Muitos colocam o perdão no nível do sentimento. “Mas eu ainda não senti no coração a vontade de perdoar...”, dizem. Jesus não disse que a condição para o perdão seria “sentir no coração”, mas o reconhecimento da falta por parte daquele que pecou contra nós.

Em uma ocasião ele ensinou aos discípulos que se um irmão pecasse contra eles sete vezes num mesmo dia e viesse arrependido, deveria ser perdoado. Diante disso os apóstolos pediram para que ele aumentasse sua fé, mas em vez de ouvir que, de fato, era preciso ter uma grande fé para agir assim, ouviram a parábola do servo inútil cujo ensino é que devemos fazer o que nos foi ordenado. Em outras palavras, eles não precisavam de mais fé, precisavam ser obedientes ao Senhor que ordenou o perdão (Lc 17.3-10). Mudando o que deve ser mudado, para perdoar não é preciso “sentir vontade no coração”, mas ter um coração obediente e submisso ao Senhor. Costumo brincar dizendo que sentir no coração é caso de cardiologista, não de fé.

Não esqueça que você já foi perdoado por uma ofensa maior

A parábola do credor incompassivo ensina sobre isso (Mt 18.23-35). Um homem devia cem denários. Um denário era o salário de um dia de serviço, ou seja, ele devia o equivalente a cem dias de serviço, uma dívida que certamente poderia ser paga. Entretanto, quando encontrou o seu credor e pediu paciência a fim de que pudesse pagar toda a dívida não encontrou misericórdia. Seu credor o lançou na prisão até que saldasse a dívida.

Ao ver essa história, alguns homens procuraram o patrão daquele credor que ficou enfurecido. A razão? Esse credor já estivera no papel de devedor. Ele devia a seu patrão dez mil talentos, uma dívida impagável, mas pediu paciência a seu senhor a fim de pagar a dívida e recebeu dele misericórdia, ao ser perdoado daquilo que ele devia. Só para entendermos, um talento era o equivalente a seis mil denários. Dez mil talentos, portanto, equivalia a sessenta milhões de denários. Faça as contas! Enquanto um homem devia o equivalente a 3 meses e 10 dias de serviço o outro devia o equivalente a 164.384 anos de serviço. Tá bom, vamos ajudar esse homem, consideremos que seu salário fosse de 100 denários por dia. Ainda assim sua dívida continuaria alta, equivalente a 1.644 anos.

Dá para entender claramente o ponto de Jesus. A razão de esse senhor ficar irado foi ver que aquele que havia sido perdoado de tão grande dívida não tratou com igual misericórdia aquele que lhe devia tão pouco. Diante de uma situação onde temos de perdoar, devemos lembrar da cruz, que mostra quão grande era a nossa dívida. Diante da nossa ofensa a Deus, perdoada em Cristo, qualquer ofensa que soframos, por maior que seja, é mínima.

Não esqueça de que somos falhos

Vivemos em uma comunidade de pecadores remidos. Até que o Senhor extirpe totalmente o pecado de nossas vidas, no dia final, pecaremos uns contra os outros. A falta de perdão pode revelar que esquecemos dessa verdade, de duas formas.

Primeiro quando temos expectativas muito altas acerca de nós mesmos. A forma como encaramos o pecado alheio demonstra o que pensamos sobre nós. A história do fariseu que orou no templo junto com o publicano exemplifica isso. Ele orava de si para si mesmo dizendo: “Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano” (Lc 18.11). Ao não perdoar, muitos estão, sem dizer, afirmando que nunca cometeriam pecado como aquele da qual foram alvo.

Segundo quando temos expectativas muito altas sobre o outro. Quando dizemos coisas do tipo: “eu esperava isso de qualquer um, menos de você”, declaramos que esperamos do nosso irmão uma perfeição que não é possível para ele. Nos frustramos com uma falsa expectativa e acabamos não perdoando aquele que “nos decepcionou”.

Não coloque condições para o perdão

É claro que estou tratando de condições além daquela estabelecida pelo Senhor, que é o arrependimento. Isso é também algo que acontece, não poucas vezes, e eu chamo de “perdão desde que...”. “Eu perdoo, desde que não precise mais me relacionar com você, cada um no seu canto”, ou então, “eu perdoo, mas você tem que prometer que nunca mais fará isso...”.

Imagine se Deus nos tratasse de igual forma? Agora lembre-se de que você muitas vezes ora pedindo isso, “perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos devedores” (Mt 6.12). Já imaginou se Deus dissesse, “eu perdoo, mas você nem precisa orar mais, pois não falo mais com você”, ou, “eu perdoo, mas que seja esta a última vez que você peca contra mim”.

O perdão deve restaurar o relacionamento, unir aqueles a quem o pecado separou. Devemos perdoar da mesma forma que somos perdoados pelo Senhor, como foi demonstrado por Jesus na parábola do credor incompassivo. É isso que ele espera de nós.

Ao sofrer com o pecado de terceiros, tome atitudes bíblicas, para a glória do Senhor, restauração do faltoso e restabelecimento da comunhão.

Milton C. J. Junior

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Cães de família?

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Cachorros não são da família! Sei que começar o texto com uma afirmação tão categórica assim pode fazer com que alguns não queiram nem perder tempo com “este insensível que não gosta de animais”. Quase consigo ouvir alguns recitarem bem alto: “O justo atenta para a vida dos seus animais, mas o coração dos perversos é cruel” (Pv 12.10), entretanto, peço que não seja tão apressado em seu julgamento, mas que “caminhe” comigo um pouco mais.

Antes de continuar preciso insistir, cachorros não são da família. Nem gatos, papagaios, iguanas, ou qualquer outro animal que seja. Dito isso, pense um pouco comigo a respeito desse assunto e, claro, como cristãos, por uma perspectiva bíblica.

Gênesis é o livro que narra a criação. Você pode perceber nos dias criativos como o Senhor vai estabelecendo a sua obra. Ele cria céus e terra, ordena que haja luz, que haja firmamento no meio das águas, ordena que as águas debaixo do céu se ajuntem num só lugar e apareça a porção seca, ordena que a terra produza relva, ervas, árvores frutíferas, etc. e que haja luzeiros para governar o dia e a noite. Após criar todas essas coisas e um ambiente que pudesse ser habitado, o Senhor começa a criar os animais. Ele ordena que se povoem as águas de seres viventes, que voem as aves sobre a terra, cria os animais marinhos, além de todos os seres viventes cada qual segundo a sua espécie. Tudo isso segundo o poder de sua Palavra, ele ordenou e assim se fez (Cf. Gn 1.1-25).

Somente após isso o Senhor criou o homem e foi uma criação diferenciada. Não foi como a dos animais, pois o homem não é daquela espécie. O Senhor não criou animais irracionais e um animal racional, Deus criou animais e o homem, segundo sua própria imagem e conforme sua própria semelhança. Em Gênesis 1.26-28, temos a deliberação, criação e bênção sobre o homem a fim de fazer aquilo para o qual foi criado: multiplicar-se, encher a terra, sujeitar a terra, dominar sobre os peixes do mar, as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra. Tudo isso para que a terra fosse povoada com aqueles que são a imagem do Senhor e para que, cuidando da criação, o homem pudesse espelhar aspectos do caráter do Criador.

Se eu parasse aqui já daria para perceber a diferença gritante entre um homem e um animal. Diferença qualitativa que é enfatizada por Jesus quando, ao ensinar a seus discípulos, ordenou que eles olhassem as aves do céu que, a despeito de não semear e colher, eram alvo do providencial cuidado do Pai que as sustentava e perguntou: “Porventura, não valeis vós muito mais do que as aves?” (Mt 6.26).

Sim, os homens são diferentes e qualitativamente superiores aos animais o que pode ser notado ainda em Gênesis. Caminhemos mais um pouco. No segundo capítulo percebemos que o homem foi formado primeiro. Deus o fez do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego de vida. Colocou-o no jardim para cultivá-lo e guardá-lo, dando uma ordem expressa para que não tomasse do fruto do conhecimento do bem e do mal (Gn 2.4-17).

É interessante notar que o Senhor afirma que não era bom para o homem estar só. Perceba bem, a despeito de Adão estar cercado de todas as espécies de animais, aos quais ele mesmo deu nome, “para o homem, todavia, não se achava uma auxiliadora que lhe fosse idônea” (Gn 2.18-20). Ele tinha consigo muitos animais, mas não tinha uma família. Deus não lhe deu animais por família, mas esta se formaria a partir do momento em que o Senhor, da costela (mesma espécie) de Adão, lhe trouxesse uma mulher que, segundo as próprias palavras de nosso primeiro pai era, afinal, “osso dos meus ossos e carne da minha carne” (Gn 2.23).

Foi somente após a queda que essa relação começou a se confundir. Se, antes da queda, ao contemplar a criação o homem tributava louvor a Deus, após, os homens, “dizendo-se sábios, tornaram-se loucos e trocaram a glória do Deus imortal por imagens feitas segundo a semelhança do homem mortal, bem como de pássaros, quadrúpedes e répteis” (Rm 1.22,23) e “mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém!” (Rm 1.25).

O reflexo da queda pode ser visto, por exemplo, na idolatria pagã que exalta Gaia, a “mãe-terra” ou que atribui a felicidade e o equilíbrio do homem à “mãe-natureza”. Como consequência, temos a humanização dos animais que, quando não são colocados acima do homem em grau de importância, no mínimo, são vistos como iguais e o resultado não poderia ser outro, festas de aniversário em cerimoniais, SPA, hotéis, creches, carrinhos de bebê, etc., tudo para que os bichinhos “se sintam da família”. Muitos são mais bem cuidados que os próprios filhos, quando não são uma opção em detrimento desses a ponto de, já na década de 80, Eduardo Dusek ironizar cantando “troque o seu cachorro por uma criança pobre”.

Por causa desse tipo de mentalidade não é difícil ver pessoas que preferem animais a gente, todavia, a verdade é que, biblicamente, o mais cruel dos assassinos possui infinitamente mais dignidade que o mais “fofinho” dos pets, por ser imagem, ainda que desfigurada, do Criador. Imagem esta que pode ser redimida por Cristo Jesus, que para salvar pecadores se fez um homem.

Jesus morreu para salvar homens e, todos aqueles que o recebem pela fé, são feitos família de Deus (Ef 2.19). Se até aqui você ainda não se convenceu de que elevar animais ao status de membros da família está errado, olhe para a família de Deus, modelo para as nossas famílias. Ela é composta de todos os tipos de pecadores regenerados, judeus, gregos, circuncisos, incircuncisos, bárbaros, citas, escravos, livres (Cl 3.11), mas não de animais. Homens, por quem Jesus deu seu sangue, ressuscitarão para estar com ele para todo o sempre e, por mais que a criação também gema aguardando a redenção dos filhos de Deus (Rm 8.19-22), pois também será restaurada, não haverá uma ressurreição dos animais.

Eu estou ciente de que muitos que dizem considerar os animais como sendo da família querem enfatizar o cuidado que deve ser dispensado a eles e se você caminhou comigo até aqui, espero que tenha compreendido que não ter cuidado ou maltratar os animais não é atitude de um cristão. O privilégio de dominar a terra exige o cuidado com a criação. Por outro lado, elevar os animais ao nível dos homens, feitos à imagem e semelhança de Deus, é igualar-se aos pagãos.

Que o Senhor conceda a você o discernimento necessário a fim de glorificar a Deus entendendo corretamente o que significa o justo atentar para a vida de seus animais.

Milton C. J. Junior

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Quem controla você?


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Absalão finalmente conseguira ordem do Rei Davi, seu pai, para que voltasse a Jesusalém. Ele havia fugido após assassinar seu meio-irmão e ao retornar, poderia ficar em sua casa, mas sem ver o rei. Dois anos se passaram e Absalão foi admitido à presença de Davi. A paz entre os dois parecia ter sido selada, entretanto, Absalão começou um plano a fim de tomar o reino de seu pai. Durante quatro anos ele se colocou diariamente à frente do palácio e sempre que alguém chegava com alguma demanda para que o rei julgasse, Absalão insinuava: “Você até que tem uma boa causa, mas não será ouvido... Ah se eu é que fosse o rei, eu ajudaria todos aqueles que viessem com alguma questão, estabelecendo a justiça”. Além disso, não permitia que os homens se inclinassem perante ele, antes, estendia a mão e os beijava. O texto bíblico diz que “desta maneira fazia Absalão a todo o Israel que vinha ao rei para juízo e, assim, ele furtava o coração dos homens de Israel (2Sm 15.1-6). Quando Absalão proclamou o golpe contra o rei, o povo já estava do seu lado.

Creio que essa história é uma boa ilustração daquilo que o Senhor Jesus afirmou a seus discípulos, “onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mt 6.21). O que alguém tem como seu desejo mais precioso (tesouro) governará o seu coração, logo, o desejo que controlar o seu coração, controlará também a sua vida. Não é, então, sem razão, a advertência do livro de provérbios, “acima de tudo, guarde o seu coração, pois dele depende toda a sua vida (Pv 4.23 – NVI).

Sendo, então, verdade que somos controlados pelos desejos que governam o nosso coração, pode-se afirmar que aqueles que sabem o que controla o nosso coração podem também nos controlar ou manipular. Absalão sabia o que o povo desejava, o que estava em seu coração. Eles queriam ser ouvidos e ter suas causas julgadas e foi assim que se apresentou, cativando-os e levando-os a tomar parte em sua conspiração [qualquer semelhança com o populismo do nosso governo não é mera coincidência].

Infelizmente, muitas vezes controlamos e somos controlados por outras pessoas mais do que gostaríamos de admitir e o controle sempre se dará por conta daquilo que se tem como “o” tesouro do coração.

Seja no caso de um pai dizer ao filho que se ele se comportar vai ganhar aquele vídeo game que tanto queria ou de um político prometer aquilo que o povo tanto anseia a fim de angariar votos ou de uma empresa investir na valorização do cliente para que seus lucros aumentem ou ainda quando um rapaz flerte com uma moça elogiando aquilo que ele entende de que ela se agradará, o que está por trás é sempre o mesmo: ser bem sucedido em sua investida ao oferecer aquilo que o outro tanto deseja. É exatamente por isso que ao oferecer aquilo que o outro não deseja, a tendência é que cada uma dessas investidas citadas seja mal sucedida. Um filho não se comportará em troca de um brinquedo que não goste, o eleitor não votará em um político que prometa aumentar ao máximo os impostos, um cliente não procurará uma empresa que o trate como “um qualquer”, tampouco uma moça aceitaria namorar um rapaz que, de cara, dissesse que ela não vale tanto a pena, mas que seria sua única opção.

Mas essa dinâmica pode ocorrer também de forma inversa. Por exemplo, uma pessoa que tem como seu tesouro o “ser aceito pelos outros” tenderá a nunca desagradar ou contrariar ninguém, na esperança de ser acolhido; aquele que “ama a sua reputação” poderá ser tentado a mentir sobre si mesmo somente para manter o seu status; uma esposa que tem como seu tesouro mais precioso o seu marido, pode sofrer várias humilhações sem confrontá-lo, com medo de perdê-lo. A realidade é triste! Se o homem não tiver o Senhor como seu tesouro mais precioso, certamente será controlado por aquilo a que ele conferir esse status.

Não é de se admirar, então, que o mandamento mais importante, conforme respondeu o Senhor à pergunta do intérprete da Lei, seja: “amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento” (Mt 22.37). Para que isso pudesse ser uma realidade, o Senhor prometeu, por meio do profeta Ezequiel, que tiraria do povo o coração de pedra e colocaria um coração de carne para que andem nos meus estatutos, e guardem os meus juízos, e os executem; eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus” (Ez 11.19-20).

Aqueles que nasceram da água e do espírito e que têm esse novo coração são capacitados a viver para Deus. Entretanto, como o Senhor já nos resgatou, mas ainda não fomos plenamente transformados (1Jo 3.2), até o dia final enfrentaremos a luta que acontece diariamente da carne contra o Espírito. Graças a Deus não estamos sozinhos nessa luta e, pela graça de Deus, podemos mortificar os desejos da carne (Rm 8.13), desfrutar da liberdade que temos em Cristo ao não nos submetermos novamente a jugo de escravidão (Gl 5.1), tendo sempre em mente que, apesar de todas as coisas serem lícitas, não podemos nos deixar dominar por nenhuma delas (1Co 6.12).

Vivendo assim, os desejos do seu coração estarão no lugar correto e você não pecará para realizá-los, antes, colocará cada um deles aos pés da cruz do Redentor, esperando nele a concretização, se assim for do seu sábio querer. Você também não será manipulado por ninguém, pois sempre terá a Palavra de Deus como crivo para o que for realizar, tampouco desejará manipular a outros. Pela graça de Deus, procure viver sempre em submissão, mas somente a Cristo Jesus, nosso Redentor!

Milton C. J. Junior

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Luz ou escuridão?

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Instruindo a seus discípulos em Mateus 6.22 e 23, o Senhor Jesus falou dos olhos. Eles são a lâmpada do corpo. Jesus usou essa figura para ensinar sobre aquilo a que damos atenção ou que “enxergamos”. A ideia do texto não é a de que o olho seja a fonte de luz para o corpo, mas como afirma Hendriksen, “que ele é, por assim dizer, o receptor de luz, o guia do qual todo o corpo depende para a iluminação e direção”[1]. Essa interpretação pode ser corroborada por aquilo que Davi afirma no Salmo 19.8b, acerca da Palavra de Deus: “o mandamento do Senhor é puro e ilumina os olhos”.

Diante disso, podemos entender que os olhos serão bons à medida em que enxergam, ou dão atenção, à Palavra de Deus, razão de o salmista rogar: “desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei” (Sl 119.18). Sendo os olhos bons, todo o corpo será luminoso, ou seja, quando o homem dá atenção à Palavra ele vai bem em seu caminho e estará iluminado.

Há, evidentemente, um paralelo aqui com o que o Senhor havia dito anteriormente, sobre ajuntar tesouros do céu (Mt 6.19-21). Aquilo que procuramos ajuntar está ligado àquilo que temos como o nosso foco. Se queremos ajuntar tesouros celestiais, necessariamente temos que voltar os olhos para a Palavra. Não há como dissociar essas duas coisas.

Os tesouros celestiais são, então, ajuntados quando o homem olha para a Palavra e pratica a sua justiça. Como exemplo temos as próprias bem-aventuranças (Mt 5.2-12) que tratam de como o crente deve viver, vindo cada uma delas com uma promessa para a eternidade. Perceba que o texto termina com Jesus dizendo: “Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus”. Não há aqui nenhuma questão meritória, mas de consequência. Aqueles que foram iluminados e praticam a luz da Palavra de Deus, necessariamente farão boas obras e receberão o galardão por elas.

Há ainda uma advertência enfatizada na expressão de contraste “se porém”, ou, em outras palavras, caso vocês não tenham olhos bons e “os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas” (Mt 6.23a).

A expressão “olhos maus” aparece duas vezes no Antigo Testamento. A primeira em Deuteronômio, quando o Senhor estabelece leis em relação aos pobres e adverte para que o povo não tenha “olhos malignos” para com o irmão pobre, não lhe dando nada daquilo que ele necessitava (Dt 15.9). A segunda aparece em Provérbios 28.22 e está traduzida como “olhos invejosos”, ainda que a palavra hebraica seja a mesma usada em Deuteronômio. Em ambos os casos ela está ligada à avareza sendo que em Deuteronômio diz respeito a quem não quer dar, e em Provérbios àquele que corre atrás de ajuntar riquezas.

Isso está em pleno acordo com o que Jesus está ensinando aqui, pois da mesma forma que aqueles que buscam tesouros celestiais têm olhos bons, iluminados pela Palavra, aqueles que buscam tesouros terrenos têm olhos maus, pois acabam pecando por manter os olhos nas riquezas. Eles demonstram que estão comprometidos apenas com esse mundo em trevas e agem de acordo com suas leis. A figura aqui é que se os olhos são trevas, todo o corpo está mergulhado na treva moral. Não é sem razão que João, ao falar a respeito do julgamento final, afirmou que o veredito é este: “Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más” (Jo 3.19).

Diferente dos servos de Deus que tem a promessa do galardão nos céus, os que buscam tesouros terrenos e mantem os olhos neles já receberam sua recompensa, como foi o caso dos fariseus ao receber o louvor dos homens (Mt 5.2,5,16).

Por fim o Senhor faz uma dura afirmação: “Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grande trevas serão!” (Mt 6.23b). A declaração ganha um tom irônico, pois aqueles que estão nas trevas não conseguem sequer reconhecer isso e acham que têm luz. Sendo assim, se essa luz é na verdade trevas, isso se torna ainda mais terrível, tal como a afirmação de Jesus aos fariseus: “Sê fosseis cegos, não teríeis pecado algum; mas, porque agora dizeis: Nós vemos, subsiste o vosso pecado” (Jo 9.41).

Seus olhos são maus ou bons? Eles estão voltados para os tesouros da terra ou para os tesouros do céu? A resposta a essa pergunta demonstrará se você está “olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus” ou se tem se deixado seduzir pelas coisas desse mundo.

Milton C. J. Junior


[1] William Hendriksen, Comentário de Mateus, vol. 1, p. 488 – Ed. Cultura Cristã

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Autoridade, autoritários e anarquistas

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As autoridades procedem de Deus. Sim, é verdade, está nas Escrituras Sagradas. Paulo afirmou categoricamente aos Romanos que “não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas” (Rm 13.1). A ordem da criação aponta para esta sublime realidade.

Digo que é uma realidade sublime “porque o Senhor é o Deus supremo e o grande Rei acima de todos os deuses” (Sl 95.3) além de ser o Soberano Senhor que criou todas as coisas (At 4.24; Ne 9.6). Ele é a Suprema autoridade e, na criação, estabeleceu todas as coisas sob a estrutura de autoridade. Deus, o Soberano, criou Adão e de Adão criou Eva, para ser sua auxiliadora idônea (Gn 2.18). O homem se submeteria a Deus e a mulher ao homem e a Deus.

É claro que essa submissão não implica inferioridade. Paulo explica bem esse ponto quando diz aos coríntios: “Quero, entretanto, que saibais ser Cristo o cabeça de todo homem, e o homem, o cabeça da mulher, e Deus, o cabeça de Cristo” (1Co 11.3). Dizer que a mulher é inferior por ser submissa ao homem seria o mesmo que dizer que Cristo é inferior ao Pai, o que constitui uma heresia.

O mesmo princípio de autoridade é visto nos pais, em relação aos filhos, nos presbíteros em relação às ovelhas e nos governos em relação ao povo, por exemplo. Por essa razão os Puritanos entendiam que a quebra do 5º mandamento não se limitava à desobediência aos pais. Na resposta à pergunta 124 do Catecismo Maior de Westminster lemos que “as palavras ‘pai’ e ‘mãe’, no quinto mandamento, abrangem não somente os próprios pais, mas também todos os superiores em idade e dons, e especialmente todos aqueles que, por ordenação de Deus, estão colocados sobre nós em autoridade, quer na família, quer na Igreja, quer no Estado”.

Algo deve ser destacado aqui. A posição bíblica de autoridade implica no cuidado para com aqueles que estão sob autoridade. Deus, o Soberano Senhor, proveu para o homem tudo o que lhe era necessário por ocasião da criação e o homem deveria refletir esse cuidado para com a mulher (e futuramente filhos) instruindo-a a respeito da vontade do Senhor e sendo o mantenedor de sua casa.

Com a entrada do pecado veio a corrupção da estrutura de autoridade. É interessante notar algo na tentação. Satanás se dirige primeiramente à mulher, que deveria ser submissa ao homem e à Deus, e propõe a anarquia. Pense um pouco sobre a afirmação da serpente: Deus proibiu comer o fruto, pois sabia que eles seriam como ele, conhecedores do bem e do mal (Cf. Gn 3.1-5). Segundo as palavras de Satanás, não haveria mais submissão, todos estariam em pé de igualdade, inclusive em relação a Deus. Daí o Senhor, ao punir o pecado, lembrar que ela continuaria submissa ao marido que continuaria a governa-la (Gn 3.16). O grande problema é que, em pecado e rebelião contra Deus, a submissão seria bastante difícil e traria muitos conflitos.

Cristãos devem lutar contra o ímpeto anarquista. Esposas devem submeter-se ao marido, como a igreja é submissa a Cristo. O movimento feminista e sua ânsia de “empoderar” as mulheres não difere em nada de Satanás que propôs o “empoderamento” de Eva a fim de ser como Deus. Irmãs, cuidem para não sucumbir à voz do tentador que continua a ecoar desde o Éden. Filhos devem obedecer a seus pais, sabendo que não são seus iguais. Ovelhas devem dar ouvidos a seus pastores, como instrui o escritor aos Hebreus: “Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isso com alegria e não gemendo; porque isso não aproveita a vós outros” (Hb 13.17). Cidadãos devem respeitar seus governantes e orar por eles (Rm 13.1; Tt 3.1; 1Pe 2.13; 1Tm 2.1-2) a fim de honrarem a Deus.

É claro que há limites para a submissão às autoridades. Se formos ordenados a pecar contra Deus, importa obedecer a Deus que aos homens (At 5.29) e isso nos leva ao outro lado da moeda, ou melhor, da distorção da estrutura de autoridade, como você notará.

Se a anarquia é pecaminosa, pois anseia a ausência de autoridade, estabelecida por Deus na criação, a tirania, que é o extrapolar da autoridade, colocando a vontade do governante acima das leis, não é menos pecaminosa. Isso pode ser visto já em Gênesis quando Lameque chama suas esposas e as amedronta ao se gabar de sua violência contra um homem que o havia ferido e um rapaz que tinha esbarrado nele (Gn 4.23).

Governar infligindo medo é tirania e muitos governantes, pastores e pais acabam pecando desta forma. Mas outra forma mais sútil de tirania, pois para muitos é expressão da autoridade bíblica, é quando se exige obediência cega. Esse tipo de obediência é visto na história quando governantes, por mais corruptos e injustos que sejam, são venerados por seus súditos. Isso pode acontecer na igreja, daí a exortação de Pedro para que os presbíteros pastoreiem não como dominadores do rebanho, mas como modelos (1Pe 5.3). Isso acontece em famílias, quando os pais dão determinadas ordens aos filhos sem explicar as razões para tal. Isso é tirania.

Cristãos podem e devem evitar agir assim pois estão unidos a Cristo e são habilitados a cumprir o que ele ordena. Mais ainda, porque têm nele o grande exemplo de liderança.

Jesus, o único que poderia exigir obediência sem explicar as razões, disse a seus discípulos: “Já não vos chamo servos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer”. Com isso Jesus não estava propondo igualdade. Ele afirmou isso após condicionar a amizade à obediência dizendo “vós sois meus amigos, se fazeis o que eu vos mando” (Jo 15.14,15). Ele também havia dito: “Vós me chamais o Mestre e o Senhor e dizeis bem; porque eu o sou” (Jo 13.13).

Jesus se disse amigo, pois para haver amizade é preciso se dar a conhecer, é preciso revelação. E ele revelava a seus discípulos a vontade de seu Pai. Por saber as razões para a obediência é que João pôde escrever que “os mandamentos não são penosos” (1Jo 5.3). Jesus não é um tirano que exige obediência cega, pais, governantes e pastores também não podem ser. Jesus também serve e cuida dos que estão sob sua autoridade e demonstrou isso na prática ao lavar os pés aos discípulos, mesmo assentindo que ele era o Mestre e o Senhor (Jo 13.14).

Se você está em posição de autoridade, mire-se em seu Senhor. Se você está em posição de submissão, mire-se nele também, pois em submissão ao Pai “a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fp 2.8). Com ele aprendemos e nele somos capacitados a lidar com a autoridade, não sendo anarquistas nem tampouco tiranos.

Milton C. J. Junior

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Cuidado com a “piedade” impiedosa

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Se você observar atentamente o sermão do monte verá que o Senhor Jesus criticou duramente os fariseus porque davam esmolas, oravam e faziam jejum, e ordenou a seus discípulos que fossem diferentes deles. Os discípulos deveriam dar esmolas, orar e fazer jejum!

Sim, é isso mesmo que você está lendo e isso significa que a diferença entre os discípulos de Jesus e os fariseus não está, necessariamente, nas ações, mas no motivo pelo qual alguém faz o que faz. Relembre comigo. Jesus chamou os fariseus de hipócritas, pois ao fazer todas essas coisas eles não tinham como objetivo a glória de Deus, mas a glória de si mesmos. Eles queriam ser “glorificados pelos homens”, “vistos dos homens” e “parecer aos homens” (Mt 6.2,5,16). Os discípulos deveriam ter outra motivação, sua luz deveria brilhar diante dos homens para que estes, vendo suas boas obras, glorificassem o Pai que está nos céus (Mt 5.16). Por isso mesmo Jesus afirmou que não veio revogar a Lei, mas que a justiça de seus discípulos deveria exceder em muito a dos escribas e fariseus (Mt 5.20).

Diante disso, fica fácil entender por que Agostinho, sistematizando o ensino bíblico, afirmou que o homem, após a queda e sem a redenção em Cristo, é incapaz de não pecar. Suas melhores ações constituem pecado pois, em última instância, ele não as realiza para a glória de Deus, além de não ter um Mediador para interceder por ele.

Mas há mais a se pensar diante dessa realidade. A simples adequação aos preceitos da Lei não é sinal de uma vida piedosa diante de Deus. Isso fica claro quando vemos Deus rejeitando o culto de Israel em Isaías 1. A despeito de o povo oferecer sacrifícios (Is 1.11), o que era requerido pelo próprio Deus, o coração estava enfermo, longe do Senhor (Is 1.5) e, por isso, suas ofertas eram vãs (1.13). Amós, contemporâneo de Isaías, foi usado por Deus para anunciar que o povo cumpria os ritos cúlticos porque gostava e não por causa do Senhor, o que era evidenciado por seu pecado. O que os judeus ouviram, de uma forma bastante irônica, foi:

“Vão a Betel e ponham-se a pecar; vão a Gilgal e queimem ainda mais. Ofereçam seus sacrifícios cada manhã, o seu dízimo no terceiro dia. Queimem pão fermentado como oferta de gratidão e proclamem em toda parte suas ofertas voluntárias; anunciem-nas, israelitas, pois é isso que vocês gostam de fazer (Am 4.4-5).

Deus quer o nosso culto, a nossa adoração, mas, antes de tudo, quer o nosso coração. Não adianta render louvores ao Senhor estando com o coração distante dele. Essa é a atitude que foi reprovada nos fariseus (Mt 15.8).

Guardemos o nosso coração de fazer coisas certas por razões erradas. Infelizmente, muito do que tem sido ensinado no meio evangélico brasileiro não tem a ver com a glória de Deus, mas com o bem-estar dos homens. Li, certa vez, um escritor afirmando que os crentes deveriam “liberar” perdão, pois quem guarda mágoa no coração acaba por destruir a si mesmo. O problema aqui é que, quando a motivação de alguém para perdoar é “não destruir a si mesmo”, a razão é egoísta e até esse tipo de perdão é pecaminoso. O pecado é abominável não por causa das consequências em nós, mas por causa da afronta a um Deus Santo. Devemos perdoar porque fomos perdoados pelo Senhor e ele ordena que façamos o mesmo em relação ao próximo. A glória de Deus é o alvo, não o nosso bem-estar.

De igual forma, uma pessoa pode não se vingar, o que é um mandamento bíblico (Rm 12.19), e ainda assim pecar, por ter como motivação demonstrar que está acima daquele que pecou contra ela, quebrando o mandamento de não pensar de si mesma além do que convém (Rm 12.3); um pastor pode se esmerar no estudo e pecar na entrega do sermão por ter como motivação o ser bem visto em vez de edificar, exortar e consolar a igreja (1Co 14.3); pais podem se dedicar ao ensino e orientação dos filhos e ter como motivação o pecado do orgulho de ser reconhecido e glorificado pelo seu bom trabalho; enfim, podemos fazer muitas coisas biblicamente corretas e ainda assim pecar profundamente contra o nosso Deus.

Um indício de que nossas intenções ao cumprir a Lei são pecaminosas é a constante comparação com outros irmãos e o julgamento daqueles que ainda não são tão “santos” como nós.

Por tudo isso, devemos vigiar nossas intenções, pedir constantemente que o Senhor sonde o nosso coração, prove nossos pensamentos e verifique se há em nós caminho mau e nos guie pelo caminho eterno (Sl 139.23-24), a fim de que ele receba a glória devida a seu nome quando, no poder do Espírito Santo, colocamos em prática os preceitos do nosso Redentor.

Milton  C. J. Junior

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Fique atento às suas motivações

motivação coração2[4]Deus não está mais preocupado com o que fazemos do que com a razão pela qual fazemos e é fácil perceber isso nas Escrituras. Esse foi o motivo de Jesus afirmar categoricamente acerca dos fariseus: “Esse povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Mt 15.8). Ao mesmo tempo em que declaravam louvores ao Senhor, os fariseus negavam a Palavra e ensinavam seus próprios princípios (Mt 15.9).

Podemos verificar essa mesma verdade no julgamento de Jesus quanto às “boas ações” dos fariseus, por ocasião do sermão do monte. Ali o Senhor os chamou de hipócritas, repreendendo suas ações de dar esmolas (Mt 6.2), orar nas sinagogas e praças (Mt 6.5) e fazer jejum (Mt 6.16). Conquanto essas atitudes não fossem pecaminosas em si mesmas, acabavam se tornando pecado por causa da motivação dos fariseus para fazerem todas elas: “serem glorificados pelos homens”, “serem vistos dos homens” e “com o fim de parecer aos homens”, respectivamente.

Ao invés de buscar o reino de Deus e a glória do Redentor, os fariseus estavam preocupados com seus reinos pessoais e com a glorificação de si mesmos.

Infelizmente essa não era uma realidade exclusiva dos fariseus. Vemos todos os dias cristãos tentando evitar o pecado, também motivados por seus próprios reinos. Isso pode ser verificado em conselhos como: “Não tenha relações sexuais antes do casamento, pois se você engravidar vai estragar sua vida e terá que parar de estudar para se dedicar ao bebê”; ou, “Eduque o seu filho para que não precise passar vergonha na frente dos outros quando ele lhe desobedecer em público”; ou ainda; “Agrade o seu cônjuge para que conceda o carinho de que você precisa”.

Conselhos como esses estão totalmente comprometidos somente com o “reino do eu”, com aquilo que é bom para mim e, por isso, ainda que os jovens sejam castos, os filhos educados e os cônjuges estejam vivendo bem, Deus não está sendo honrado.

Há ainda outra questão. Quando o motivo para se evitar o pecado é algo que “eu” acho que trará uma consequência ruim para o “meu reino”, além de se ter um entendimento distorcido de em que consiste a vida cristã, bastará que “eu” mude de opinião para começar a fazer o que eu antes proibia. Tomando um dos exemplos acima, teríamos alguém evitando sexo antes do casamento para não correr o risco de uma gravidez indesejada. O ensino distorcido que fica claro é: filhos são um problema. Mas se a opinião sobre isso mudar e se entender que ter filhos é algo bom (o que é verdadeiríssimo) não haveria mais a “barreira” para o sexo pré-marital. Se o reino é meu, as regras são minhas e, por conta disso, nunca haverá honra a Deus.

Para que o Senhor seja honrado as razões para não pecar devem emanar da sua Palavra e do entendimento de que o pecado é primeiramente uma afronta à sua santidade. Assim, o relacionamento sexual antes do casamento deve ser evitado porque afronta a Deus (Hb 12.4), os filhos devem ser educados para honrar a Deus (Dt 6.1-7) e os cônjuges dever servir um ao outro porque essa é a vontade de Deus (Ef 5.21-33).

O pecado não é ruim, primariamente, por causa das consequências que traz, mas por causa de quem é primeiramente afrontado, o Santo Deus, e isso deve nortear também a nossa confissão de pecados, que pode revelar um coração arrependido ou simplesmente remorso e aqui estamos, mais uma vez, a tratar de motivações.

Para ilustrar, pense em dois exemplos conhecidos. Sabemos que Judas traiu a Jesus e às vezes nos esquecemos de que Pedro também o fez, quando o negou. A diferença entre os dois foi que Pedro entristeceu-se por ter traído o mestre (Mt 26.75) e mais à frente foi restaurado (Jo 21.15-17), enquanto Judas entristeceu-se por causa da consequência de sua traição, que foi a condenação à morte de Jesus (Mt 27.1-3), e, não conseguindo viver com o remorso, suicidou-se. Os motivos foram bem distintos.

As motivações procedem do coração (Mt 6.21), razão de lermos em Provérbios que “assim como a água reflete o rosto, o coração reflete quem somos nós” (Pv 27.19 - NVI). É o nosso coração que demonstra se vivemos para Deus ou se vivemos para nós mesmos. Diante disso, devemos fazer coro com o salmista e, perante Deus, afirmar: “Guardo no coração as tuas palavras” – com a mesma e correta motivação – “para não pecar contra ti” (Sl 119.11).

Vivendo dessa forma poderemos, como ordenou Paulo, comer, beber, ou fazer qualquer outra coisa sempre motivados por dar toda a glória a Deus (1Co 10.31).

Milton C. J. Junior

terça-feira, 16 de outubro de 2018

O que você acredita sobre Deus?

homme-d-tenant-le-point-d-interrogation-et-le-point-d-exclamation-39456809[5]Você certamente conhece muitas pessoas. Se, como eu, você mora em um edifício, tem muitos vizinhos e muitos deles você, às vezes, nem conhece. Você sabe que moram no seu edifício, mas não tem contato com eles. Entretanto, sabe bem que essas pessoas existem e, a não ser que seja alguém que julgue pela aparência, posso afirmar que você não teria problema com alguma dessas pessoas.

Geralmente não temos problemas com as pessoas em si. Todos os dias passamos por várias pessoas que não conhecemos, elas vêm e vão, e isso não afeta em nada a nossa vida.

Mas suponha que uma dessas pessoas o parasse na rua e dissesse: “Eu acho que você ficaria melhor de cabelo pintado de verde!”. Ou, no caso do vizinho “desconhecido”, imagine que ele passe um dia pelo corredor e sua porta esteja aberta. Ele olha para dentro do seu apartamento e diz: “Esse sofá está no lugar errado. Do jeito que está disposto você perde muito espaço em sua sala”. No outro dia ele passa novamente, olha para você e diz: “Você está deixando sua casa muito jogada, porque você não arruma essa bagunça?”. O que você acharia de pessoas assim? Certamente que são inconvenientes e que não deveriam se meter em sua vida. Por que não tomam conta de sua própria vida? Afinal, você não pediu nenhuma opinião!

A verdade é que não gostamos que alguém fique nos dizendo o que fazer, ainda que esse alguém esteja certo. No exemplo acima, talvez a casa esteja mesmo bagunçada e precise, de fato, de uma boa arrumação, mas não queremos ninguém “metendo o nariz onde não é chamado”.

Creio, firmemente, que o problema do ateu é esse! Ele não tem problema com a pessoa de Deus. O problema é que Deus ordena como ele deve viver, o que ele deve ser e como tem de proceder. O problema é, então, com a Lei de Deus! Se Deus existisse e ficasse “no seu canto”, não haveria problema, mas esse Deus afirma que é Soberano e ordena o que todos devem fazer, sob pena de juízo caso isso não aconteça.

Qual é, então, a forma mais fácil de negar a Lei de Deus? É negando o próprio Deus. Se Deus não existe, não há Lei, se não há Lei eu procedo como bem entendo. Essa é a verdade descrita pelo Salmo 14.1: ”Diz o insensato em seu coração: Não há Deus” – e o resultado é – “Corrompem-se e praticam abominação”.

O salmista está dizendo, então, que o insensato (ou tolo na NVI) vive de acordo com sua convicção de que Deus não existe e, por causa dessa certeza, ele vive da forma que bem entende. Ou seja, aquilo que alguém acredita sobre Deus determina toda a sua maneira de viver.

Mas pense bem! Essa não é uma verdade relacionada apenas a ateus, mas também àqueles que professam (ou dizem professar) a fé no Senhor Jesus Cristo. Dia a dia somos tentados a desconfiar do caráter do nosso Deus e, assim, não dar ouvidos à sua voz. Essa sempre foi a estratégia de Satanás, minar a nossa crença a respeito de Deus.

Em Gênesis o tentador se aproxima da mulher e questiona se Deus havia proibido de comer do fruto das árvores do Jardim. Diante da resposta da mulher, de que do fruto das árvores podiam comer, exceto daquela que ficava no meio do jardim, sob pena de morrer, a serpente coloca em dúvida o caráter de Deus: “Certamente não morrerão! Deus sabe que, no dia em que dele comerem, seus olhos se abrirão, e vocês, como Deus, serão conhecedores do bem e do mal” (Gn 3.4,5 - NVI). A insinuação do diabo era a de que Deus estava blefando, não era bom (pois os havia privado daquele fruto) e não queria “concorrência”, ninguém que fosse como ele. Isso levou a mulher a olhar para o fruto e ver que “a árvore parecia agradável ao paladar, era atraente aos olhos e, além disso, desejável para dela se obter entendimento” – e diante disso – “tomou do seu fruto, comeu-o e o deu a seu marido, que comeu também” (Gn 3.6 – NVI).

Veja que, no deserto, a investida do diabo contra o Senhor Jesus seguiu a mesma direção. O Senhor, depois de jejuar 40 dias, teve fome. A palavra do tentador parece plausível: “Se tu és o Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães” (Mt 4.3). Isso pode ser entendido assim: “Um pai trata bem os seus filhos. Você está dizendo que é Filho de Deus, mas está aí com fome, isso não é bom. Se você é mesmo Filho, basta mandar essas pedras se transformarem em pão e você saciará sua fome. Isso provará que você está certo em sua alegação”.

Mas Jesus não precisa de provas. Ele conhece o caráter de seu Pai e sabe que ele não mente. Dias atrás, ao ser batizado, ele havia ouvido sua voz, que dos céus dizia: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.17) e, por isso, responde ao tentador: “Está escrito: Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus”. Por saber quem é seu Pai, Jesus confia em sua Palavra.

O homem nasce, naturalmente em pecado, como Adão, mas aqueles que creem em Cristo Jesus são recebidos na família de Deus como seus filhos e têm a promessa de serem feitos semelhante ao Salvador (Rm 8.29; 1Jo 3.2). Foi ele mesmo quem afirmou que “ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11.27). Essa revelação do Pai ocorre por meio de sua Palavra e isso implica no dever que temos de meditar diariamente nas Escrituras.

Fazendo assim conheceremos mais o Senhor e, na força do Espírito Santo, confiaremos cada vez mais naquilo que ele diz, estando aptos a negar nossas vontades e desejos a fim de fazer aquilo que ele ordena e determina em sua Palavra, para o bem dos seus filhos e para o louvor de sua glória.

Milton C. J. Junior

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Quem sou eu?

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Essa inquietante pergunta, juntamente com outra (qual é o propósito para a minha existência?) é bastante antiga e costuma, não poucas vezes, causar tristeza, ansiedade, insegurança e tantos outros sentimentos. Um homem na meia idade pode estar triste por olhar para trás e verificar que não realizou nada “relevante” em sua jornada, ao mesmo tempo em que um jovem pode estar ansioso e inseguro quanto ao que ele “quer ser” na vida.

A despeito de muitas respostas a essas perguntas já terem sido formuladas, como cristãos precisamos ter uma perspectiva bíblica a respeito de nossa identidade.

Criados à imagem de Deus

Esta é a primeira consideração a se fazer ao pensar biblicamente. O livro de Gênesis nos mostra que o homem foi criado no sexto dia da criação à imagem e semelhança de Deus. A pergunta 17 do Catecismo de Westminster, “Como criou Deus o homem?” traz como resposta que “Deus criou o homem, macho e fêmea; formou-o do pó, e a mulher da costela do homem; dotou-os de almas viventes, racionais e imortais; fê-los conforme a sua própria imagem, em conhecimento, retidão e santidade, tendo a lei de Deus escrita em seus corações e poder para a cumprir, com domínio sobre as criaturas, contudo sujeitos a cair” (vide os 3 primeiros capítulos de Gênesis).

Pautados nessa resposta, podemos dizer que a identidade do homem não é própria, mas derivada. Seu valor não é próprio, mas atribuído. Ele possui dignidade por causa do que ele representa, a saber, o próprio Deus. Desta forma, quem ele é está intimamente ligado ao que ele foi criado para fazer. Recorro, mais uma vez, ao Catecismo Maior de Westminster que afirma acertadamente que “o fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”.

O homem foi criado para honrar a Deus cumprindo o que o Senhor o designou para fazer. Relacionar-se com Deus, com o próximo e com o meio em que ele vivia, governando sobre todas as coisas. Ao viver pautado na glória de Deus o homem viveria de forma plena, realizando-se em seu Criador e usufruindo das bênçãos da criação.

Caídos em Adão

Se o homem foi criado de forma tão sublime, porque há tanta dúvida a respeito de sua própria identidade. Porque tantas pessoas estão confusas, sem saber para onde caminham? O livro de Gênesis não mostra somente como o homem foi criado e qual o seu propósito neste mundo, mas também o que ocorreu para chegarmos na situação em que estamos.

Ao colocar o homem no Jardim do Éden e lhe dar ordens, o Senhor advertiu que a desobediência o levaria à morte. A morte seria física, mas também seria espiritual, ou seja, o homem estaria separado de Deus. Sobre essa realidade, Isaías afirmou ao povo que “as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus” (Is 59.2). E foi isso que aconteceu! Ao ceder à tentação da Serpente e comer do fruto que Deus havia ordenado que não comessem, homem e mulher foram expulsos da presença do Senhor.

Com Adão caiu toda a raça humana, pois ele era o nosso representante. Todos agora nascem com o que chamamos de “pecado original”, separados de Deus e voltados para si mesmos. Aliás, essa foi a natureza da tentação, fazer com que o homem olhasse para si, em primeiro lugar. A Serpente prometeu que se comessem do fruto eles seriam como o próprio Deus.

Aconteceu que eles não se tornaram como Deus. Em vez disso, o pecado trouxe vergonha e medo da justa ira do Senhor. O pecado trouxe o afastamento daquele em quem o homem tem a sua identidade, mas por que sua identidade é derivada ele busca um substituto para Deus na criação (Rm 1.21-23,25) e acaba se tornando ou querendo se tornar como esse seu novo deus, que se torna a sua razão de viver. A maldição para os idólatras no Salmo 115 consiste exatamente em o idólatra se tornar como o falso deus que ele mesmo forjou.

Você percebe claramente que o homem busca a sua identidade nas obras da criação quando ouve “Eu preciso ter diheiro”, “Eu preciso ter uma família”, “Eu preciso de uma profissão relevante”, pois isso me fará SER rico, SER pai, SER reconhecido, etc. Não se apresse ao imaginar que estou reprovando todas essas coisas. Elas não são ruins em si mesmas, afinal, Deus fez o homem para gozar do fruto do seu trabalho, para constituir família e para servir ao próximo com suas habilidades. Meu ponto é que estas coisas não podem ser a razão da vida, nem aquilo que define a identidade, pois quando isso acontece elas se tornam ídolos e o final da idolatria é sempre o desespero, a morte, a ansiedade, o medo de perder aquilo que lhe confere dignidade.

É importante lembrar aqui que o homem, mesmo pecador, continua sendo imagem e semelhança de Deus, ainda que esta imagem esteja agora desfigurada. Ele não mais reflete perfeitamente o seu Criador, mas continua possuindo dignidade por ter sido criado à imagem e semelhança dele.

Restaurados em Cristo

Jesus Cristo, o Filho de Deus (1Co 1.9), a expressão exata do ser de Deus (Hb 1.3), veio ao mundo a fim de redimir pecadores. A obra de Cristo no Calvário leva aqueles que creem nele a ter paz com Deus (Rm 5.1). Se antes havia inimizade, em Cristo e por causa de Cristo pode haver um retorno ao Pai.

A conversão coloca o pecador em uma nova posição. Ele é agora considerado santo, separado para Deus (2Co 1.1; Ef 1.1). Por causa de Cristo, temos uma nova identidade. Já somos filhos de Deus, ainda que aguardemos a plena redenção (1Jo 3.2); Somos herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo (Rm 8.17); co-participantes da natureza divina (2Pe 1.4), dentre várias outras bênçãos.

Você já pensou a respeito de tamanhos benefícios, por estar em Cristo? Muitos cristãos olham para os personagens da Bíblia e se espantam com o que foi dito por Deus acerca deles achando que nunca estariam naquela posição. Quando fazem isso, acabam deixando de lado os méritos de Cristo e atribuindo méritos aos pecadores. Por exemplo, Davi foi chamado um homem segundo o coração de Deus. Se você conhece a história do grande rei, sabe que ele cometeu pecados gravíssimos. Como pôde Deus fazer uma afirmação dessas a respeito dele?

Em Atos temos a resposta. Lucas cita a forma como Davi foi chamado por Deus ao relatar a história de Israel (At 13.22). Mais à frente ele diz que Deus cumpriu, em Cristo, as promessas feitas à Davi, ressuscitando-o para a justificação dos crentes. Davi foi um homem segundo o coração de Deus por que cria no Messias. Se você também estiver em Cristo Jesus, é também alguém segundo o coração de Deus. Da mesma forma, pode ter certeza de que por causa da sua união com Cristo Deus pode dizer de você: “Este é meu filho em quem eu tenho prazer”.

Estas bênçãos e essa nova identidade podem, então, levar os crentes a viver para a glória de Deus, quer seja comendo, ou bebendo, ou fazendo outra coisa qualquer (1Co 10.31). Isso quer dizer que tudo aquilo que você faz, não deve ser feito em busca de sua identidade, mas para que aquele que atribui a você identidade seja glorificado, Cristo Jesus, o Salvador.

Desta forma volto à questão inicial: Quem é você?

Se você não está em Cristo, é um pecador que continuará perdido, buscando sua identidade em falsos deuses, até o dia em que, arrependido dos seus pecados, confiar em Jesus Cristo para a sua salvação. A partir de então, poderá encontrar paz, alegria, gozo, prazer e identidade, vivendo para a glória de Deus. Doutro modo, além de uma vida sem sentido, encontrará no final a justa condenação do Senhor.

Se você está em Cristo você já é filho de Deus, aguardando a plenitude da redenção quando, então, será exatamente como Cristo é (1Jo 3.2). Viva, então, para a glória dele!

Milton C. J. Junior

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Arrependimento ou remorso? Como se entristecer para a glória de Deus

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Na vida tomamos várias decisões. Diariamente estamos diante de escolhas sobre o que fazer e o que não fazer e as fazemos de acordo com as inclinações do nosso coração.

É do coração que procedem as fontes da vida (Pv 4.23), aquilo que pensamos (Hb 4.12), falamos (Mt 15.18) e fazemos (Mt 15.19), razão de a Bíblia, insistentemente, chamar a atenção ao cuidado com o coração.

Pois bem, ao tomar decisões, inevitavelmente estaremos fazendo segundo o nosso coração. Algum cristão desavisado poderia pensar que, se é desta forma, as coisas estão resolvidas, pois o Senhor já nos deu um novo coração; mas apesar de essa ser uma verdade, ela não é toda a verdade. Esta consiste em entender que fomos salvos e tivemos o coração renovado pelo Senhor, mas ainda não o fomos plenamente, o que só vai ocorrer por ocasião da vinda do Redentor (1Jo 3.2).

Infelizmente, até que chegue esse dia, ainda faremos escolhas e agiremos de forma errada e pecaminosa colhendo sempre os frutos disso. Não poucas vezes sofreremos com as nossas escolhas e atitudes e acabaremos lamentando o que foi feito. Nesses momentos é importante saber distinguir arrependimento de remorso, pois apesar de o resultado de ambos ser sofrimento e tristeza, a causa de um e de outro são bem distintas.

Pense, por exemplo, na história de Jacó e Esaú. Isaque sabia que o propósito de Deus era abençoar seu filho mais novo, Jacó, em vez do mais velho, Esaú. Apesar disso, ele tinha em seu coração o desejo de abençoar o mais velho. Pediu então que Esaú fosse caçar e que preparasse para ele uma comida saborosa, para depois ser abençoado.

Rebeca estava ouvindo os planos do marido e, quando Esaú saiu para caçar, tramou com Jacó um plano para enganar Isaque a fim de que ele abençoasse o mais moço. E assim foi feito. Enganado (mas não fora do propósito de Deus), Isaque abençoou a Jacó. Entretanto, quando Esaú chegou com sua caça e se deu conta de que o irmão havia “roubado” a sua bênção ficou amargurado e, chorando, pediu que o pai também o abençoasse, recebendo uma negativa como resposta (Gn 27.30-38). A partir de então, Esaú passou a odiar seu irmão por causa de ele ter sido abençoado e planejou matar a Jacó assim que Isaque falecesse (27.39).

É interessante notar como o Novo Testamento interpreta a história de Esaú. O escritor da carta aos hebreus exorta para que não haja na igreja “algum impuro ou profano, como foi Esaú, o qual, por um repasto, vendeu o seu direito de primogenitura. Pois também que, posteriormente, querendo herdar a bênção, foi rejeitado, pois não achou lugar de arrependimento, embora, com lágrimas, o tivesse buscado” (12.16-17).

A pergunta a ser respondida aqui é o que significa Esaú não ter achado lugar de arrependimento, principalmente quando sabemos que Deus não despreza um coração compungido e contrito (Sl 51.17).

Para ter essa resposta é preciso saber mais algumas informações a respeito da história de Esaú. Sendo o primogênito, a bênção era, por direito, dele. Entretanto, num dia em que estava faminto, pediu a Jacó um pouco do cozinhado de lentilhas que este havia feito. Jacó se aproveitou da situação para “comprar” o direito de primogenitura de Esaú que, desdenhando do seu privilégio respondeu: “Estou quase morrendo; de que me vale esse direito?” (Gn 25.32 – NVI).

O desejo por comida era tão grande que ele desdenhou de sua condição, preferindo um prato de lentilhas em vez da bênção do Senhor. Por conta disso é que o escritor de Hebreus o trata como um profano que, “por um repasto, vendeu seu direito de primogenitura”. O que ele buscou com lágrimas não foi o perdão, mas a bênção que havia perdido. O choro não era o lamento pelo pecado cometido contra Deus, de desprezar a bênção da primogenitura, mas somente pelo fato de ter perdido a bênção.

A diferença entre o remorso e o arrependimento é que este lamenta o pecado cometido enquanto aquele lamenta somente as consequências do pecado. É por causa dessa diferença que Paulo diz ter ficado alegre com a tristeza que sua carta produziu nos coríntios, mas não pela tristeza em si, e sim porque foi uma tristeza para arrependimento, e logo conclui: “Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação, que a ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte” (2Co 7.8-10).

Diante disso, temos de entender que o pecado não é ruim por causa das consequências e problemas que traz sobre nós, mas por causa da afronta que é feita a um Deus Santo. Infelizmente, muitos cristãos têm aprendido a lamentar as consequências do pecado e não o pecado em si.

Quando pais ensinam aos filhos que eles devem ser bons com os amigos para não os perder; jovens são estimulados a não se envolverem sexualmente antes do casamento para evitar filhos e, assim, não comprometerem os estudos; ou ainda quando maridos são ensinados a ajudar as esposas a fim de receberem algo em troca, o que está em jogo não é o pecado contra Deus, mas aquilo que se vai perder fazendo essas coisas. O produto final, quando há então a prática contrária ao que foi ensinado, não pode ser outro, senão o remorso.

Se você quer viver para a glória de Deus lembre-se, então, que a tristeza segundo o mundo (remorso) só produz morte, mas a tristeza segundo Deus leva ao arrependimento e, consequentemente, ao perdão dos pecados e reconciliação com o Senhor.

Milton C. J. Junior

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Tudo ou nada? – Refletindo sobre a liberdade cristã

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“Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas” (1Co 6.12).

Seria bom se não fosse preciso, mas tenho de começar afirmando que o texto acima não está ensinando que podemos fazer qualquer coisa que der na cabeça.

Infelizmente a liberdade cristã parece não ser bem compreendida por muitos, que acabam pensando somente em termos de extremos. Em meu primeiro ano de ministério tive como ovelha um adolescente que me perguntou se era pecado ouvir “música mundana”. Comecei a responder dizendo que essencialmente não e antes de eu concluir o pensamento dizendo que seria pecado se fosse uma música que afrontasse o Senhor e a fé cristã, ele voltou a perguntar: “Então eu posso ouvir funk?” Ele se referia àquelas músicas que tratavam a mulher como objeto e com várias (ou quase todas) palavras de baixo calão. Em resumo, o que aquele adolescente pensava era: “ou tudo, ou nada”.

É bem verdade que, em Cristo Jesus, somos verdadeiramente livres (Jo 8.36), mas importa sabermos como lidar como essa bendita liberdade. Nesse sentido, creio que o texto de Paulo aos Gálatas (5.13-15) nos traz uma ótima orientação.

O pano de fundo é a tensão no relacionamento entre alguns judeus e gentios que haviam se convertido, que acabou por ser tratada no primeiro concílio da igreja (At 15). Por um lado, os judeus ensinavam que, mesmo crendo em Cristo, era necessária a circuncisão, segundo o costume de Moisés. Por outro, as práticas dietéticas dos gentios causavam escândalo aos judeus convertidos. A resolução do concílio foi para que não se perturbassem mais os gentios com essas questões e para que os gentios se abstivessem das contaminações dos ídolos (comida sacrificada), das relações sexuais ilícitas, da carne de animais sufocados e do sangue (At 15.20,29).

Veja que interessante, ainda que Jesus tenha considerado puros todos os alimentos (Mc 7.19), por amor ao judeu os gentios deveriam se abster da comida que era lícita. Paulo desenvolve o tema da liberdade cristã no texto de Gálatas, como veremos agora:

1) A liberdade cristã não é uma licença para pecar“Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne” (Gl 5.13a).

Paulo havia ensinado que os gálatas não poderiam se deixar circuncidar, pois seria como se estivessem se desligando de Cristo e procurando justificação pelas obras da lei (2-5). Para os judaizantes, ao ordenar que não se obedecesse à lei cerimonial (que havia se cumprido em Cristo), seria como se Paulo estivesse propondo certa “liberdade para pecar”. Para aqueles que queriam pecar, as palavras do apóstolo poderiam soar como uma autorização para tal.

Ele então se apressa: “Fostes chamados à liberdade, porém...”. Paulo afirma que eles não poderiam fazer da liberdade uma “base de operações” para o pecado. É esse um dos sentidos da palavra traduzida no texto por ocasião.

Quando escreveu aos Romanos, Paulo explicou que eles eram, outrora, escravos do pecado, mas libertados do pecado foram feitos servos (escravos) da justiça. Eles eram, então, livres para “obedecer de coração à forma de doutrina a que fostes [foram] entregues” (6.17-18).

Todas as coisas que são lícitas são aquelas permitidas pela vontade de Deus, revelada nas Escrituras.

2) A liberdade cristã é limitada pelo amor ao próximo“sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor. Porque toda a lei se cumpre em um só preceito, a saber: amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Gl 5.13b,14).

Agora Paulo enfatiza que, apesar de termos liberdade para fazer o que é lícito (permitido pela Palavra), em vez de dar ocasião à carne podemos e devemos nos abster de fazer algo lícito, em favor do próximo. Ou seja, podemos usar da liberdade, desde que não venhamos a ferir o próximo a quem devemos servir em amor.

O que é belo aqui é que não somos escravos daquilo que podemos fazer. Creio que este é o princípio que está por trás da afirmação de Paulo: “todas as coisas me são lícitas, mas não me deixarei dominar por nenhuma delas” (1Co 6.12). Há muito crente que acaba se tornando escravo da sua liberdade e, antes que alguém ache confuso, eu já explico: podemos fazer muitas coisas, mas isso não significa que somos obrigados a fazê-las. Alguns se apegam tanto aos seus direitos que ficam escravos deles. Temos plena liberdade para abrir mão desses “direitos” em favor do próximo. Paulo afirmou aos coríntios que deixaria de comer carne por causa da fraqueza dos irmãos que se escandalizariam com ele (1Co 8.13).

Se nos agarramos à liberdade de fazer o que é lícito a ponto de não nos importarmos com os irmãos, temos de admitir que somos dominados por nossos desejos e não por Cristo, que afirmou: “Onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” e exortou: “Ninguém pode servir a dois senhores...” (Mt 6.21,24).

3) A liberdade cristã nos preserva da destruição“Se vós, porém, vos mordeis e devorais uns aos outros, vede que não sejais mutuamente destruídos” (Gl 5.15).

Se os gálatas não entendessem que a liberdade não é uma licença para pecar e que é limitada pelo amor ao próximo, acabariam por ser destruídos, pois se morderiam e se devorariam. O ponto aqui é óbvio. Se eu só penso em meu direito e não abro mão em favor do próximo, fatalmente vou brigar por ele.

Se o meu coração é servo de Cristo eu posso “dar a outra face”, “deixar também a capa” e “andar a segunda milha” (cf. Mt 5.38-41), considerando o meu próximo superior a mim mesmo (Fp 2.3). Porém, se o meu coração é servo dos meus desejos, se alguém me bater vai levar de volta, vou brigar pela túnica e em hipótese alguma andarei 1 metro, quanto mais 1.500 metros (1 milha romana).

Como podemos notar, a liberdade cristã é mais uma questão de senhorio (a quem eu sirvo?) do que uma questão de direitos. Como servo dos prazeres você fatalmente estará pecando, mesmo ao fazer coisas lícitas. Entretanto, servindo a Cristo estará livre para servir a Deus, servir ao próximo e não se deixar dominar por nada, além do Redentor.

Milton C. J. Junior

sábado, 21 de julho de 2018

Você não precisa supor

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Há alguns anos fui pregar em uma igreja pastoreada por um amigo e passei o domingo com ele e sua família. Após a escola dominical, sua esposa foi para casa preparar o almoço e nós passamos em um mercadinho para comprar um molho que havia faltado. Foi quando ele me falou que a esposa estava preparando um escondidinho de carne seca.

Nesse momento já comecei a ficar preocupado. Como não gosto de mandioca, mas sabia que quem estava me recebendo queria me agradar, bolei um plano para comer “sem sentir”. A cada garfada eu tomaria junto um gole da Coca-Cola que estava bem gelada e engoliria praticamente sem mastigar. O plano era perfeito, mas...

Chegamos em casa e ela ainda estava preparando o almoço. Conversa vai, conversa vem, de repente, a pergunta fatal: “Você gosta de escondidinho, né?”. Nesse momento, o plano foi por água abaixo. Como ela perguntou se eu gostava eu teria de falar a verdade (em amor, é claro!). Comecei com um “olha...” e ela já entendeu tudo, ficando bastante embaraçada: “Ai... não acredito... eu tinha que ter perguntado, desculpe”, “vou fazer outra coisa...”.

No fim, combinamos assim: Eu comeria somente carne e eles o escondidinho completo. Certamente a esposa do meu amigo queria muito me agradar, estava fazendo de coração, mas qual foi o erro dela? Supor que eu gostava.

Se eu quero agradar alguém, sem chance de errar, eu não posso supor. Eu devo perguntar do que a pessoa gosta e do que ela não gosta porque, com toda boa vontade do meu coração, se eu não souber do que a pessoa gosta eu posso errar. Suposições são perigosas, principalmente as culinárias, porque pode ser que estejamos enganados.

Muitos crentes querem, ou dizem querer, agradar a Deus. O problema é que, a despeito do que afirmam, não gastam tempo examinando a Palavra, que é onde Deus revelou o que o agrada e o que o desagrada, daí tentam supor o que devem fazer.

Se você quer agradar a Deus, você não precisa supor. Como bem afirmou o salmista a respeito do justo, “no coração, tem ele a lei do seu Deus; os seus passos não vacilarão” (Sl 37.31).

Deus deu a sua Palavra, que é a lâmpada para os pés e a luz para o caminho (Sl 119.105), a fim de que aqueles que foram libertos por Cristo possam viver de modo digno do evangelho (Fl 1.27). É impossível ser salvo por meio do cumprimento da Lei, que só foi cumprida plenamente por Cristo, entretanto, ela continua sendo o padrão para que os filhos de Deus caminhem em santidade, vivendo um padrão de justiça que excede o dos escribas e fariseus (Mt 5.17-20).

Paulo afirma que fomos “criados em Cristo Jesus,” – exatamente – “para boas obras, as quais Deus preparou de antemão para que andássemos nelas” (Ef 2.10). As Escrituras também exortam a seguir a piedade (1Tm 6.11), exercitar-se na piedade (1Tm 4.7), demonstrar que os crentes devem ter a consciência pura diante de Deus e dos homens (At 24.16), desenvolver a salvação (Fp 2.12), em suma, seguir “a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14), afinal de contas, os crentes devem ser santos, pois o Senhor o é (1Pe 1.16).

A grande questão é que você nunca vai conseguir viver piedosamente sem o conhecimento da Escritura. Aqueles que buscam agradar a Deus sem, ao mesmo tempo, ater-se ao padrão de santidade que ele determina em sua Palavra estão enganando a si mesmos. E o pior, muitos desses acreditam, de fato, que estão conseguindo levar a cabo o seu intento, pois medem a sua santidade comparando-se a outros que são “menos santos” que eles.

Deus não deixou sua igreja “no escuro”, tentando adivinhar sua vontade. Não! Ele deu um padrão bem objetivo que deve ser conhecido e, na força do Espírito, colocado em prática. Lembre-se que não é somente conhecer, mas também praticar, pois aqueles que ouvem a Palavra e não praticam foram comparados por Jesus a um homem que construiu uma casa sem fundamentos que não pôde se manter diante das intempéries da vida (Mt 7.26-27).

Nesse ponto, alguém pode argumentar que Deus está interessado é na intenção do coração. A isso respondo lembrando a história de Saul. Deus iria castigar os amalequitas e ordenou que Saul destruísse totalmente tudo o que eles tinham, além de matar a todos, incluindo os animais. Saul foi, mas deixou vivo o rei, além de poupar o melhor das ovelhas e bois. Quando Samuel foi até ele e ouviu o barulho das ovelhas e bois, perguntou o que tinha ocorrido. A resposta de Saul foi que ele havia obedecido ao Senhor, mas que o povo poupou o melhor dos animais para sacrificar ao Senhor.

Mesmo sabendo o que Deus havia ordenado, parece que Saul supôs que Deus se agradaria da oferta, afinal de contas, era o melhor das ovelhas e do gado. Mas o que ele ouviu de Samuel deve servir de lição para cada um de nós: “Tem, porventura, o Senhor tanto prazer em holocaustos e sacrifícios quanto em que se obedeça à sua palavra? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender, melhor do que a gordura de carneiros” (1Sm 15.22).

Hoje sabemos que o melhor sacrifício já foi providenciado pelo Senhor, imolando seu próprio Filho para que pudéssemos ser reconciliados com ele e, nesta condição, podermos dar ouvidos às suas Palavras. Você não terá uma vida piedosa sem o conhecimento e prática da Lei do Senhor, portanto, em vez de supor, conheça!

Milton C. J. Junior

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Desejos que podem matar

coração (3)“Cada um, porém, é tentado pelo próprio mau desejo, sendo por este arrastado e seduzido. Então esse desejo, tendo concebido, dá à luz o pecado, e o pecado, após ter se consumado, gera a morte” (Tiago 1.14,15 - NVI).

Tiago nos ensina sobre a dinâmica do pecado. Conquanto muitas vezes queiramos dar desculpas para nossas ações pecaminosas, a verdade retratada nesse texto é que pecamos por causa dos desejos do nosso coração. Atente, porém, para um detalhe. Tiago não está falando de qualquer desejo, mas daquele que ele qualifica como “mau desejo”.

Podemos pensar sobre o “mau desejo” em dois sentidos: primeiro, é mau desejo tudo aquilo que é diretamente proibido pela lei de Deus. Só para exemplificar, o desejo de adulterar é em si mau, pois é explicitamente contrário à santa Lei de Deus.

Porém, há outro sentido que devemos considerar. Bons desejos podem tornar-se maus, quando queremos que se concretizem custe o que custar. A Bíblia não proíbe que os filhos de Deus desejem coisas lícitas, mas quando começamos a ser “controlados” por elas a ponto de pecar para conseguir o que queremos ou pecar por não ter conseguido o que queremos significa que um bom desejo tornou-se um mau senhor. Não é sem razão, portanto, que o Senhor Jesus adverte que “onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mt 6.21).

Quando estamos com os olhos fixos somente nos desejos do coração, acabamos por ignorar as ordenanças do Senhor. Permita-me ilustrar isso.

Sempre gostei muito de mergulhar. Quando coloco máscara, canudo (snorkel) e pés de pato (nadadeiras) e me lanço ao mar, quase me esqueço da vida “aqui fora”. Quando eu era ainda um adolescente, costumava pegar, com amigos, peixinhos ornamentais para vender a um revendedor de peixes de aquário, que havia em minha cidade. Alguns peixes eram mais caros e quando encontrávamos um desses era uma grande alegria. Um dia foi a minha vez de achar um desses. Ele era lindo e logo pensei no dinheiro da venda (que hoje reconheço que não era tanto assim... rs) e no prazer de capturar um daqueles. Tomei fôlego, prendi a respiração e mergulhei atrás. Era um peixe arisco! Eu cercava por um lado com a mão, tentando levá-lo à direção da “redinha” que estava do outro lado e ele se escondia atrás de alguma pedra. A vontade de ter aquele peixinho era tanta que me esqueci de uma lei básica: sem oxigênio eu morro! Quando me vi já quase sem fôlego e olhei para cima, os poucos metros de água até a superfície pareciam quilômetros. Tive de nadar muito rápido e cheguei à superfície ofegante. O desejo pelo peixe me fez esquecer uma lei e isso poderia ter me levado à morte.

Creio que é isso que Tiago está ensinando. O mau desejo me leva a desprezar a lei de Deus e eu peco para consegui-lo ou por não tê-lo conseguido. O que se segue é a morte! O mau desejo se torna senhor, um ídolo, que determina como o homem deve agir, desprezando a Lei do verdadeiro Senhor.

Ao exortar Caim, Deus falou exatamente sobre isso: “Se procederes bem [de acordo com a Lei do Senhor], não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal [pecando por obedecer ao desejo], eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas cumpre a ti dominá-lo (Gn 4.7 – grifo meu).

Embora as Escrituras sejam claras, constantemente deixamos que os desejos tomem conta do nosso coração e se tornem falsos deuses que fazem promessas de alegria, satisfação, paz, tranquilidade, etc. que nunca poderão cumprir. Essa é razão de pecarmos. Se amássemos absolutamente ao Senhor sobre todas as coisas, nunca pecaríamos, pois faríamos sempre a sua vontade. Isso implica que qualquer pecado que cometamos seja uma consequência de um primeiro pecado, a quebra do primeiro mandamento em que Deus nos ordena: “Não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20.3).

Muitos servos de Deus têm tomado decisões pautadas não na Lei do Senhor, mas na simples satisfação de seus desejos e têm colhido as consequências trágicas que resultam da desobediência.

É lícito desejar um bom emprego, um bom casamento, a casa própria dos sonhos, o reconhecimento pelo bom trabalho, respeito, liderança na igreja, etc. Todas essas coisas não são más em si mesmas, mas quando estamos dispostos a pecar por elas ou ficamos irritados, irados, mal-humorados, enfim, quando pecamos não respondendo de forma piedosa quando não as conseguimos, estamos diante do “mau desejo” que Tiago afirma que conduz à morte.

O Senhor Jesus nos ensina de forma prática como devemos colocar nossos desejos diante do Pai. Em sua oração, antes de ser preso e morrer em lugar do seu povo, ele expressou seu desejo: “Aba Pai, tudo te é possível; passa de mim este cálice” – entretanto, não se rebelou e submeteu-se a vontade do Pai, que era totalmente diferente do que ele estava pedindo, quando terminou a sua oração – “contudo, não seja o que eu quero, e sim o que queres” (Mc 14.36).

A Bíblia afirma que a vontade de Deus é “boa, agradável e perfeita” (Rm 12.2) e também que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8.28).

Se estivermos convictos dessas verdades poderemos colocar sempre os nossos desejos diante do Senhor, já abrindo mão deles, e afirmar: “faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mt 6.10), pois saberemos que para nossa alegria e satisfação dependemos somente do Senhor e não daquilo que ele pode ou não nos conceder.

Agindo assim, honraremos sempre o Redentor.

Milton C. J. Junior

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Aprenda com seus erros ou tome um caminho melhor: leia a Bíblia!

Bíblia em pedaçosUm dia desses eu ouvia num programa de rádio a resposta de um analista a uma consulta feita. Alguém queria abrir uma empresa, mas estava receoso quanto a empreender num momento de crise financeira no país, além de não ter experiência na área pretendida. A resposta foi simples. Antes de se arriscar, ele deveria aguardar para ver como se comportaria o mercado. Enquanto isso, deveria arranjar um emprego numa empresa da área, a fim de aprender na prática sobre o risco de seu empreendimento. No fim, aquele que respondia disse: “É melhor aprender com os erros dos outros do que errar para aprender”.

Sábias palavras! De certo vai contra o que muitos pensam, principalmente no que diz respeito às “coisas da vida”, amizades, relacionamentos, entretenimento, etc. Nesse caso é comum ouvir alguns dizendo: “Deixe fulano quebrar a cara, desse jeito ele aprende” ou “cada um deve ter suas experiências e aprender com elas”.

Conquanto seja verdadeiro e importante termos as nossas experiências de vida, a ideia de que precisamos “quebrar a cara” para aprender está distante daquilo que a Escritura ensina. Ao escrever sua epístola aos Romanos o apóstolo Paulo afirmou que “tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito” (Rm 15.4).

Aos Coríntios, após relatar a história de pecado do povo de Israel e a punição de Deus, ele afirmou: “Ora, estas coisas se tornaram exemplos para nós, a fim de que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram” (1Co 10.6) e, depois disso, exortou que os irmãos não fizessem como eles, advertindo novamente: “Estas coisas lhes sobrevieram como exemplos e foram escritas para a advertência nossa, de nós outros sobre quem os fins dos séculos têm chegado” (1Co 10.11).

A lição é clara! Olhe para as Escrituras a fim de tomar conhecimento do que muitos sofreram, por desobediência a Deus, e não repita a experiência. É como se Paulo dissesse você não precisa “quebrar a cara”, basta olhar para as Escrituras, confiar naquilo que está relatado e viver para a glória de Deus.

A despeito disso, muitos cristãos têm sofrido com suas escolhas. Na tentativa de caminhar conforme seus próprios corações, deixam de lado tudo aquilo que foi escrito para o seu ensino. O coração é enganoso e, não poucas vezes, quer nos conduzir a caminhos que não deveríamos trilhar. Devemos estar atentos a isso, lembrando-nos sempre daquilo que escreveu Salomão no fim de sua vida: “Alegra-te, jovem, na tua juventude, e recreie-se o seu coração nos dias de tua mocidade; anda pelos caminhos que satisfazem ao teu coração e agradam aos teus olhos; sabe, porém, que de todas essas coisas Deus te pedirá contas (Ec 11.9).

Diante disso, podemos pensar na responsabilidade que temos diante de Deus. Temos de conhecer as Escrituras a fim de viver de modo agradável diante de Deus, fazendo escolhas que reflitam sua vontade revelada.

Não é sem razão que o salmista afirma ser bem-aventurado o homem que tem “o seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite. Ele é como árvore plantada junto a corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem sucedido” (Sl 1.2-3).

Se os cristãos se lembrassem mais dessas verdades, evitariam muitas escolhas que parecem caminhos direitos, “mas ao cabo dá em caminhos de morte” (Pv 14.12).

Mas isso pode ser ainda pior. Muitos desses que desprezam as instruções da Palavra de Deus e querem seguir as cobiças de seus próprios corações, na ânsia de ouvir algo que desculpe ou justifique suas ações, buscam conselhos com pessoas que não temem a Deus. Esquecem-se de que o salmista também diz que feliz é o homem que não anda no conselho de ímpios (Sl 1.1) e devem ser lembrados das palavras do Senhor Jesus: “Ora, se um cego guiar outro cego, cairão ambos no barranco” (Mt 15.14).

Em sua infinita sabedoria, Deus nos deu a sua Palavra bendita a fim de ser a lâmpada para os nossos pés e a luz para o nosso caminho (Sl 119.105). Você pode viver de modo digno do Evangelho, honrando ao Senhor em suas escolhas pautadas na Escritura, ou pode pagar para ver, fazendo o que é contrário a ela e aprendendo com os erros. Mas lembre-se: há pessoas que nem errando muito conseguem aprender. O melhor caminho é confiar em Jesus e dar ouvidos à sua voz, que ecoa na Escritura.

Milton C. J. Junior

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Mentiras bastardas? – Não caia nessa...

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Foi o próprio Senhor Jesus que afirmou que a mentira tem por pai o diabo! Ao confrontar os fariseus que não criam na sua Palavra, o Senhor foi enfático:

“Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira (Jo 8.44 – grifos meus).

Os cristãos, por sua vez, são chamados para seguir aquele que é “o caminho, e a verdade, e a vida” (Jo 14.6). Quando o Senhor orou por seus discípulos, rogou ao pai que os santificasse na verdade, que é a própria Palavra (Jo 17.7), e o apóstolo João escreveu que não tinha maior alegria do que a de ouvir que seus filhos andavam na verdade (3Jo 4). Há muitas outras orientações bíblicas para que os crentes vivam e falem a verdade, mas quero citar apenas mais uma, por ora: Quando deu os dez mandamentos ao povo, o Senhor ordenou que se falasse a verdade ao ordenar: “não dirás falso testemunho contra o teu próximo” (Ex 20.16).

A despeito disso tenho a impressão de que para muitos cristãos existem “mentiras bastardas”, isto é, não procedem de Deus, pois ele é a expressão da verdade, mas também não procedem do diabo, pois as intenções por trás delas são boas. Desta forma, para estes, algumas mentiras são justificáveis, por conta de suas intenções “nobres”.

Como exemplo, pense em algumas situações: uma mãe diz ao filho para não ir a determinado cômodo da casa porque lá tem “bicho papão” e justifica que isso é para proteger o filho, pois naquele cômodo há objetos que poderiam ser perigosos para a criança. Um filho mente a seu pai sobre a gravidade do seu estado de saúde e justifica dizendo que é para que o pai não sofra, pois ele não suportaria a notícia. Ou ainda, uma amiga pergunta a outra como determinada roupa ficou nela e ouve que ficou “maravilhosa”, mesmo que essa não seja verdadeiramente a opinião da amiga, que se justifica pensando que seria falta de educação dizer o contrário. Assim, a mentira ganha outros nomes (proteção, cuidado e educação) e acaba sendo até algo esperado, pois é para o bem do próximo.

Há aqui, pelo menos, duas questões a se ponderar. A primeira relacionada ao fato de que a Palavra de Deus condena, categoricamente a mentira. Eu sei que muitos tentam justificar certas mentiras citando a história das parteiras que mentiram a Faraó quando ele ordenou que elas matassem todos os meninos nascidos dos hebreus (Ex 1.15-22). Porém, uma leitura mais atenta do texto demonstra que o Senhor as abençoou por terem desobedecido a ordem de matar as crianças e não porque mentiram. Volto a esse episódio daqui a pouco.

A segunda questão diz respeito às intenções do coração. Os que mentem, como exemplificado acima, dizem fazer por “amor ao próximo”. O problema é que, biblicamente, ninguém peca por amor ao outro, mas por amor a si mesmo. Tiago não deixa dúvidas: “cada um é tentado pelo próprio mau desejo, sendo por este arrastado e seduzido” (Tg 1.14 - NVI). Perceba! Pecamos para conseguir o que desejamos e essa é uma atitude de amor próprio. Amamos tanto a nós mesmos que, impulsionados e iludidos por nossos desejos, estamos dispostos a fazer o contrário do que o Senhor ordena, tentando obter alguma satisfação ou benefício.

Uma breve história para ilustrar isso: Certa vez eu aconselhava uma senhora que foi ao gabinete pastoral, indicada por um conhecido. Em meio à nossa conversa, surgiu o assunto da mentira e ela disse que nunca mentia. Perguntei, então, se ela conhecia minha esposa e, obviamente, ela respondeu que não. Prossegui: “– Vamos supor que eu ligue agora para minha esposa e diga que estou levando a senhora para tomar um café conosco, em nossa casa. Chegando lá tem um bolo bonito na mesa e um café fresquinho. A senhora pega um pedaço do bolo e, ao morder, percebe que está muito salgado, pois, na pressa, minha esposa acabou trocando o açúcar pelo sal. A senhora então pensa em tomar um pouco de café, para aliviar o gosto ruim que está na boca, mas o café também está salgado. Logo em seguida minha esposa pergunta: E aí, a senhora gostou? Qual seria a resposta?”. Ela então respondeu que diria que sim, pois não ia querer magoar minha esposa que foi tão educada preparando algo para ela comer. Continuei: “– Vamos esquecer, por enquanto, minha esposa... Se a senhor fosse à casa de sua irmã e acontecesse o mesmo, o que responderia quando ela perguntasse se a senhora havia gostado?”, e rapidamente ela disse: “Mas que bolo ruim!”.

Diante disso, perguntei se ela não tinha medo de magoar a irmã e ela disse que a irmã já a conhecia bem. Levei-a então a entender que, no caso de minha esposa a preocupação não era em magoar uma pessoa que a tratou de forma educada, mas em não querer ser vista como mal educada, tanto que, diante de alguém bem conhecido, ela não titubeou em falar o que achou de verdade.

O que levou essa senhora a dizer que mentiria para minha esposa foi o mesmo que levou as parteiras a mentirem a Faraó: amor próprio, mais do que amor a Deus e ao próximo. As parteiras foram tementes a Deus e não mataram as crianças, mas diante do questionamento de Faraó, temeram perder a vida e, por amor a si mesmas, mentiram. De igual forma, a mãe que mente ao filho inventando um bicho papão no quarto não o faz pela segurança do filho, mas pelo seu conforto, pois não precisará mais ficar correndo atrás da criança. O filho que mente ao pai sobre seu estado de saúde não o faz por cuidado, mas, talvez, por não querer sofrer ao ver o pai sofrendo. A amiga que mente para a outra não o faz por educação, mas para não ser tida como grosseira.

Devemos ser realistas. Biblicamente não há pecado em favor do outro nem, tampouco, mentiras justificáveis. Não existem mentiras bastardas, todas, sem exceção, tem por pai o diabo. Sendo assim, para obedecer as ordens de não dar lugar ao diabo (Ef 4.27) e de resistir ao diabo (Tg 4.7) é imperativo que não negociemos a verdade.

É claro que isso não implica em ser mal educado, pois a verdade deve ser dita em amor (Ef 4.15). Entretanto, não há garantia de que os homens não nos rotularão como tal. Ainda assim, não ceda ao desejo de ser bem visto diante dos homens ao custo de pecar contra Deus, pois, “antes, importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5.29).

Milton C. J. Junior