terça-feira, 30 de julho de 2019

Meu pecado é culpa sua

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Em 2004 foi produzido nos Estados Unidos um documentário intitulado “Super size me”. A proposta do cineasta Morgan Spurlock era se alimentar durante 30 dias somente com produtos do McDonalds. Ao fim deste período ele estava com o fígado seriamente comprometido, pesando 9 quilos a mais e foi obrigado a fazer uma desintoxicação.

A ideia do documentário surgiu após duas adolescentes processarem o McDonalds por terem engordado e o juiz não ter lhes dado ganho de causa por não existirem provas de que a comida desta rede fizesse mal à saúde. Com o documentário, Spurlock conseguiu provar que a comida não é saudável, o que não é novidade alguma, mas terá sido essa, de fato, a razão da obesidade das adolescentes?

Nas Escrituras percebemos que essa história de lançar a responsabilidade do pecado sobre outros não é novidade. Quando Adão, após ter comido do fruto proibido, foi confrontado por Deus, que perguntou o que ele havia feito, ele tratou de se esquivar de sua responsabilidade: “A mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore, e eu comi” (Gn 3.12), disse ele. A culpa do seu pecado era da mulher, que lhe deu o fruto, e em última instância do próprio Deus, que lhe deu a mulher. A mulher também foi questionada e, claro, também se esquivou: “A serpente me enganou, e eu comi” (Gn 3.13).

Anos mais tarde, seus filhos ofertaram ao Senhor. Caim, o mais velho, levou do fruto da terra, e Abel, das primícias do seu rebanho e da gordura deste. O Senhor se agradou da oferta de Abel, mas rejeitou a de Caim, que ficou extremamente irado. O Senhor, que anos antes havia confrontado seus pais e ouvido desculpas, confronta agora a Caim: “Por que andas irado, e por que descaiu o teu semblante?” – e sem dar tempo para qualquer desculpa da parte dele, advertiu – “Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas cumpre a ti dominá-lo (Gn 4.6,7).

No Novo Testamento, Tiago, o irmão do Senhor Jesus, ensina que “cada um é tentado pela sua própria cobiça [desejo], quanto esta o atrai e seduz. Então, a cobiça [desejo], depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte” (Tg 1.14,15).

As Escrituras são muito claras ao afirmar que a responsabilidade pelo pecado é, e sempre será, de quem o comete, mas, infelizmente, muitos cristãos têm comprado a ideia de que pessoas e circunstâncias são a causa de muitos males cometidos. “O meio em que ele vive o levou a roubar”, “ela é assim, explosiva, devido à maneira como foi criada” e “ela ganhou muito peso porque os produtos daquele fast food não são saudáveis” são apenas algumas das explicações (desculpas?) dadas ao comportamento das pessoas e, assim, roubo, falta de domínio próprio e gula passam a ser problemas a serem tratados por terapia, ao invés de pecados que precisam ser expiados por um Redentor.

Esse pensamento é um ataque direto à fé cristã. Enquanto não há a admissão da culpa, não haverá boa-nova do Evangelho. Paulo diz aos Romanos que a lei de Deus foi dada justamente para isso, “para que se cale toda a boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, [...] em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (Rm 3.19,20).

Ao ser confrontado com a santa lei do Senhor, o homem se vê incapaz de viver uma vida justa diante de Deus e só tem duas alternativas: se desculpar, colocando sobre outros a responsabilidade pelos seus atos ou assumir o seu estado de depravação e miséria, confiando única e exclusivamente naquele que viveu de forma justa e santa, a fim de nos justificar pela fé, Cristo Jesus, o Redentor.

Em Cristo Jesus, o Pai não nos desculpa (tira a nossa culpa), mas nos perdoa. Um dos sentidos da palavra grega para perdão é “remissão da penalidade”, ou seja, pagamento da penalidade. Nesse sentido, Jesus pode então nos dizer: seu pecado é culpa minha, não porque ele seja o responsável por nossas faltas, mas pelo fato de ele ter assumido a nossa dívida e foi justamente isso que ocorreu na cruz do Calvário quando ele tomou sobre si a nossa culpa e pagou o preço pelos pecados do seu povo, morrendo a nossa morte.

Porque Deus puniu o pecado na pessoa bendita do seu Filho é que ele pode ter misericórdia de seu povo, não nos condenando como merecemos, e conceder perdão e salvação pela graça, nos dando aquilo que não merecemos (Ef 2.8). Continuamos culpados, mas, porque a justiça de Cristo nos foi imputada quando cremos, somos reconciliados e temos paz com Deus (Rm 5.1).

Diante de tudo isso, não podemos ceder à tentação de nos desculpar quando pecamos. Lembremos sempre do que afirma Provérbios 28.13: “O que encobre as suas transgressões jamais prosperará; mas o que confessa e deixa alcançará misericórdia”.

Que assumamos sempre a nossa culpa, confessando diante de Deus todas as nossas transgressões, na certeza de que temos Advogado diante do Pai, Jesus Cristo, o Justo, aquele que já pagou o preço por nossos pecados.

Milton C. J. Junior

terça-feira, 23 de julho de 2019

O melhor de Deus ainda está por vir?

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A frase virou mesmo um chavão e está constantemente na boca de vários irmãos. Diante dos problemas e adversidades, a palavra de “consolo” é: “Não se preocupe, o melhor de Deus para a sua vida está por vir”. O que se quer dizer com isso é que por mais que a vida tenha lá suas adversidades e problemas, aquele que sofre pode estar descansado, pois haverá um dia em que as lutas cessarão, não haverá mais pranto e nem dor.

Conquanto seja isso verdadeiro e prometido na Escritura, que afirma que o Senhor enxugará dos olhos toda lágrima (Ap 21.4), é preciso analisar o que de fato se deseja ao dizer que “o melhor de Deus está por vir”.

Se com essa frase os crentes estivessem almejando estar de uma vez por todas na presença física do Senhor Jesus, ela ganharia um belo sentido, porém, ao observar que ela é dita geralmente em momentos de dificuldades, fica evidente que “o melhor de Deus” que é esperado é simplesmente a ausência das tribulações. Nesse caso, perde-se a perspectiva de que o melhor de Deus já veio quando ele enviou seu Filho ao mundo (Jo 3.16) em semelhança de homens (Fp 2.7) para justifica-los pela fé e conceder a eles paz com Deus (Rm 5.1).

Quando o Senhor Jesus afirmou a seus discípulos: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo” (Jo 14.27), ele falava sobre a reconciliação com Deus, não sobre a ausência de problemas. Se assim não fosse, os discípulos não teriam ouvido dele que no mundo teriam aflições (Jo 16.33). A despeito disso ele ordena aos discípulos ter bom ânimo, o que demonstra que o consolo não estava em esperar a cessação das aflições, mas na certeza de que aquele que venceu o mundo estaria com eles todos os dias, inclusive em meio às dificuldades, até a consumação dos séculos (Mt 28.20).

Era a certeza de que Jesus era o melhor de Deus e, portanto, suficiente para a sua vida que levava Paulo a declarar: “Aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.11-13). Sua alegria não dependia das circunstâncias, mas de estar na presença do Senhor Jesus. Por isso mesmo ele também podia dizer que viver para ele era Cristo, e morrer, lucro, pois sabia que estar com Cristo é incomparavelmente melhor (cf. Fp 1.21,23).

Saber que o melhor de Deus para nós, Cristo Jesus, já veio deve nos levar ao entendimento de que até as tribulações e aflições não fogem a seu controle, antes, são usadas pelo Senhor para nos tornar cada dia mais parecidos com o nosso Redentor. Isso nos leva também a colocar em prática as palavras de Tiago, que diz que devemos ter como motivo de muita alegria o passar por várias provações, entendendo que a finalidade da provação é produzir a esperança, que cumpre o seu papel ao nos tornar perfeitos, íntegros e em nada deficientes (Tg 1.2-4).

Como já foi afirmado, uma vida sem aflições, sem pranto e nem choro é prometida por Deus para aqueles que são de Jesus. Porém, querer estar com Jesus não por quem ele é, mas por aquilo que ele nos concede e concederá é uma atitude idólatra, que revela que amamos mais a bênção concedida do que aquele que nos abençoa.

O melhor de Deus já veio, Cristo Jesus, e se buscarmos nele alegria e satisfação viveremos também contentes, em toda e qualquer situação.

Milton C. J. Junior

terça-feira, 16 de julho de 2019

Um leão está no caminho – a tentativa de racionalizar o pecado

Quando a carta de Angélica[1] pedindo exoneração da função que exercia na igreja chegou ao Conselho, as razões apresentadas pareciam plausíveis. Estava ficando difícil conciliar o emprego, o cuidado com a casa e os trabalhos finais da pós-graduação com o seu trabalho na igreja. Diante de tantos afazeres, o trabalho da igreja ficaria sempre em segundo plano e para fazer mal feito era melhor deixar para alguém que pudesse desempenhar melhor a função.

Diante daquilo que afirma o livro do profeta Jeremias, “maldito aquele que fizer a obra do Senhor relaxadamente” (Jr 48.10a), a atitude de deixar um cargo da igreja por entender que não será feito um bom trabalho e, por isso, Deus não será honrado, deveria ser vista como louvável. Porém, a história ainda não terminou.

Na visita pastoral a fim de acompanhar Angélica, que além de ter entregado o cargo também não estava frequentando a igreja, algumas constatações foram feitas.

Ela foi arguida sobre sua vida devocional e respondeu que não tinha tempo de ler as Escrituras. De fato, eram muitas as leituras requeridas no curso, mas nada que justificasse não separar ao menos 20 minutos diários para uma breve leitura bíblica. Era fácil perceber que a desculpa era fraca. Entretanto, um problema ainda mais grave viria à tona.

Como Angélica havia entregado o seu cargo e não estava frequentando a igreja, a conversa acabou também tomando essa direção e em determinado momento ela expressou: “Se eu continuasse no cargo iria fazer mal feito e as pessoas iriam me criticar. Eu não gosto de ser criticada!”.

Você consegue perceber o que está, de fato, em jogo aqui? Na explicação dada na carta enviada ao Conselho, a motivação parecia piedosa, porém, diante dessa última afirmação, percebe-se que aquela era apenas uma tentativa de justificar a verdadeira razão para o abandono da função: orgulho!

“Diz o preguiçoso: Um leão está lá fora; serei morto no meio das ruas”

(Pv 22.13)

O provérbio acima faz exatamente essa constatação. Para não admitir o seu pecado, a sua falta de vontade de fazer o que deve, o preguiçoso trata de arranjar uma desculpa. Seu problema não é a preguiça, seu problema é que se ele se propuser a fazer o que deve estará diante de um perigo iminente. É possível até ouvir em alto e bom som: “Vocês não estão vendo que tem um leão lá fora e que estou correndo perigo?”.

Infelizmente, essa atitude não é exclusiva de Angélica ou do preguiçoso do provérbio. De modo geral, o homem vive arranjando razões que “justifiquem” ou escondam o seu pecado. Convenhamos, é bem mais fácil buscar a causa em coisas externas ou em algo que foge ao nosso controle do que admitir a nossa culpa e irresponsabilidade.

Por isso, é tão comum se ouvir por aí: “Eu não sou guloso, meu problema é de metabolismo”; “É lógico que confio em Deus, a causa da minha ansiedade é química, preciso é de remédios”; “Eu não sou iracundo, tratei mal fulano porque ele não entende meus problemas”; “Não, eu não sou lascivo, mas sabe como é, né? Sou casado e minha esposa não supre as minhas necessidades”, etc., e, assim, são os leões e não a preguiça o alvo a ser tratado. Se eles não existissem, as atitudes seriam outras.

A questão é tão sutil que, ao criar o seu leão imaginário, o preguiçoso se dá por satisfeito e se rende à sua condição. Ninguém precisa acreditar na sua alegação, basta que ele saiba que o problema não é ele.

Confessando o pecado ao Leão de Judá

A Bíblia fala também de outro Leão, este, majestoso. Em Apocalipse João chama o Senhor Jesus de o Leão da Tribo de Judá. Ele é o Deus Todo-Poderoso, aquele que venceu a morte para nos dar uma nova vida. O Leão de Judá é aquele que tem poder para perdoar os pecados e tratar o nosso coração. Em vez de racionalizar os pecados, podemos e devemos confessá-los ao Senhor e receber dele o perdão (1Jo 1.9).

Enquanto o verdadeiro problema não for tratado, nunca haverá alegria e satisfação.

Voltemos então à Angélica. Ela ouviu e entendeu que estava arranjando desculpas e que o seu orgulho era o verdadeiro problema a ser enfrentado. O grande problema é que não basta entender o problema. Como já foi afirmado, é preciso confessar o pecado e, ainda mais, buscar forças no Senhor a fim de uma mudança efetiva.

Angélica não voltou mais à igreja, não quis a ajuda que lhe foi oferecida, mas espero no Senhor que passados tantos anos já tenha tratado o problema.

A sua história pode ser diferente. Se você tem tentado racionalizar o seu pecado e ao ler este texto se deu conta do caminho que está tomando, achegue-se confiadamente ao Leão de Judá, confesse a sua falta e rogue que o seu Espírito o ajude em sua caminhada cristã, de modo que honre o Senhor em todo momento.

Milton C. J. Junior


[1] O nome é fictício, mas a história é real

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Teologia: da teoria à prática


Eu já me preparava para sair do gabinete pastoral e ir para casa quando Murilo[1] chegou. Ele era um jovem de uns 26 anos que vivia pelos fóruns de discussão da vida (na web), debatendo teologia reformada. Segundo o que me informou, ele havia ouvido falar que eu era um pastor de linha reformada e, como estava desanimado com a comunidade que frequentava, resolveu ir conversar comigo.

Teologia na cabeça

Após tentar me impressionar com todo o seu conhecimento teológico, ele perguntou se haveria problema em me fazer algumas perguntas. Após eu dizer que não havia problema algum, ele passou então a avaliar a minha teologia (parecia até exame de presbitério).

Depois de algum tempo, parece que ele ficou satisfeito com minhas respostas e aí passou para uma segunda fase. Agora ele pediu para ver minha biblioteca. Mais uma vez disse que ficasse à vontade.

Ele se levantou e começou a “averiguação”. Quando via um livro de algum autor brasileiro fazia questão de comentar: “Esse cara é muito bom!” Como tive o privilégio de estudar em uma excelente instituição, que contava com alguns desses autores no seu corpo docente, eu respondia: “Foi meu professor no seminário.”

Depois disso, aquele jovem, que parecia ainda mais precavido que os bereanos (pois estes analisavam o que ouviam pelo crivo das Escrituras (At 17.11), e ele já estava analisando o que possivelmente iria ouvir para ver se valeria a pena) e que, em princípio, se mostrava alguém que manejava bem a palavra da verdade (2Tm 2.15), afirmou: “Pastor, eu vou frequentar sua congregação.” Finalmente eu estava “aprovado”.

Teologia sem prática

Depois de ouvir o Murilo por bastante tempo, responder às suas perguntas, ser avaliado e ouvir a notícia de que ele iria frequentar a congregação, falei a ele que agora eu é que gostaria de fazer algumas perguntas. Ele assentiu ao pedido.

Passei então a questioná-lo sobre a razão de gostar tanto da teologia reformada. Perguntei se era simplesmente por causa da sua beleza, lógica, por causa das discussões acadêmicas, etc., ou se era porque ele entendia ser ela uma interpretação fiel das Escrituras e, sendo assim, algo que o faria conhecer mais intimamente a Deus enquanto, pelo Espírito do Senhor, o habilitava a se afastar cada vez mais do pecado. Afirmei ainda que, se a segunda opção fosse a razão de amar a teologia reformada, ele seria muito bem-vindo à congregação.

Alguns instantes de silêncio.

Depois disso, Murilo confessou que gostava muito das discussões teológicas, mas que estava preso ao pecado da pornografia. Nesse momento, passei então a aconselhá-lo.

Teologia na prática

Comecei a falar ao Murilo sobre a gravidade do pecado e da ofensa àquele que deu sua vida no Calvário a fim de vivermos em novidade de vida. Ele respondia que era muito difícil se livrar da pornografia.

Mesmo sabendo que tratar o comportamento em si não resolveria nada enquanto ele não chegasse à raiz do problema, instruí-o então a “cortar o fio da internet”, pois era onde ele mais via pornografia. Meu objetivo era demonstrar a teologia na prática para alguém que só a tinha no campo das ideias.

A resposta não poderia ser outra. Murilo afirmou que necessitava da internet para ver e-mails do trabalho e que não podia ficar sem acesso, então, pedi que ele mudasse o computador do seu quarto para a sala de casa e que todas as vezes que fosse acessar a rede pedisse que sua mãe se assentasse a seu lado.

Dito isso, perguntei-lhe: “Você teria coragem de acessar pornografia com sua mãe ao lado?” De olhos arregalados Murilo respondeu rapidamente: “Tá doido, pastor!?” Cheguei então ao ponto que eu queria demonstrar a ele.

Aquele jovem, que conhecia muito bem a sua mãe, sabia que ela não aceitaria um comportamento como aquele e, por temê-la, se absteria de ver algo que ele havia afirmado ser muito difícil ficar sem.

Porém, mesmo sabendo o que a teologia diz sobre Deus, seu caráter e sua Santidade, na prática ele demonstrava que não cria, de fato, em tudo aquilo. Ele não conhecia ao Senhor da mesma maneira que conhecia a sua mãe, ainda que tivesse muitas informações a respeito dele.

Eu me propus a continuar conversando com ele e tentar ajudá-lo em sua luta contra o pecado, por meio do estudo das Escrituras, mas nunca mais o vi. Por fim ele se mostrou mais parecido com aqueles falsos mestres mencionados na carta de Paulo a Tito que “no tocante a Deus, professam conhecê-lo; entretanto, o negam por suas obras” (Tt 1.16).

Para alguém que ama o pecado, o conhecimento teológico só servirá para trazer maior condenação. Jesus, em uma parábola, afirmou: “Aquele servo, porém, que conheceu a vontade do seu senhor e não se aprontou, nem fez segundo a sua vontade, será punido com muitos açoites. Aquele, porém, que não soube a vontade do seu senhor e fez coisas dignas de reprovação levará poucos açoites. Mas àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido; e àquele a quem muito se confia, muito mais lhe pedirão” (Lc 12.47-48).

O conhecimento das Escrituras é uma grande bênção que o Senhor nos concede, mas que deve vir acompanhado de uma vida prática a fim de que o homem seja bem-aventurado, ao invés de enganar a si mesmo (Tg 1.22-25).

Que o Senhor nos conceda a bênção de ser como Esdras, que dispôs o coração não só para buscar a Lei do Senhor, mas também para cumpri-la e ensinar seus estatutos e juízos (Ed 7.10).

Milton C. J. Junior


[1] Murilo é um nome fictício, para preservar a identidade da pessoa a quem se refere o caso.

quinta-feira, 4 de julho de 2019

Aconselhe a Palavra de Deus

Cristianismo e aconselhamento são duas coisas que estão intrinsecamente ligadas. Os membros do corpo de Cristo são chamados a aconselhar, admoestar, repreender, instruir, corrigir, e consolar uns aos outros (Rm 14.4; Cl 3.16; Gl 6.1; 1Ts 5.14).

Para isso, o cristão deve crer que na Escritura Sagrada temos tudo aquilo que é necessário para nossa vida e para a nossa piedade (cf. 2Pe 1.3). O apóstolo Paulo, escrevendo ao jovem pastor Timóteo, afirmou que “toda a Escritura é inspirada por Deus” – e por isso – “útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (2Tm 3.16). Diante disso, o resultado do uso das Escrituras no aconselhamento não poderia ser outro, senão o que Paulo afirma no versículo seguinte: “A fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda a boa obra” (2Tm 3.17).

Deus nos escolheu antes da fundação do mundo, a fim de sermos conformes à imagem de seu Filho, nosso Redentor, Cristo Jesus (cf. Rm 8.29). Dia após dia ele nos aperfeiçoará, santificando as nossas vidas e o meio que ele usará para isso será sempre a sua Palavra. Ao orar pelos seus discípulos, foi isso que o Senhor Jesus pediu ao Pai: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17).

Se queremos, portanto, ser eficazes ao cumprir a ordenança de aconselhar uns aos outros, precisamos:

a) Conhecer a Escritura – O apóstolo Paulo exortou Timóteo a que procurasse se apresentar diante de Deus como um obreiro aprovado e que maneja bem a palavra da verdade (cf. 2Tm 2.15). Devemos investir tempo na leitura da Bíblia Sagrada, não simplesmente fazendo uma leitura superficial, mas procurando entender os textos dentro de seus devidos contextos a fim de poder aplicá-los de forma correta às situações que nos sobrevêm em nossa vida cotidiana.

Foi por entender a importância do conhecimento da Palavra de Deus que o salmista afirmou que o homem bem-aventurado é aquele que tem o seu prazer “na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite” (Sl 1.2).

b) Praticar a Escritura – Não basta conhecer a Palavra de Deus, é necessário colocá-la em prática. Jesus afirma que aqueles que ouvem a Palavra e não a praticam são insensatos (cf. Mt 7.26). Seu irmão, Tiago, ensina que aqueles que somente ouvem a Palavra e não a praticam enganam a si mesmos (cf. Tg 1.22). Entretanto, continua Tiago: “Aquele que considera, atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será bem-aventurado no que realizar” (Tg 1.25).

Podemos e devemos colocar em prática a Lei do Senhor, não por causa da nossa própria capacidade, mas porque contamos com o auxílio daquele que opera em nós o querer e o realizar, conforme a sua boa vontade e, por isso mesmo, nos ordena a desenvolver a nossa salvação (cf. Fp 2.12,13).

A razão de buscar o conhecimento da Palavra (“Guardo no coração as tuas palavras” – Sl 119.11a) não pode ser outra, senão o desejo de honrar o Senhor ao praticá-la (“para não pecar contra ti” – Sl 119.11b).

Devemos ser como Esdras, que dispôs “o coração para buscar a Lei do Senhor, e para cumprir, e para ensinar em Israel os seus estatutos e juízos” (Ed 7.10). A última das atitudes de Esdras é a que veremos a seguir e que precisamos também fazer.

c) Aconselhar com a Escritura – Vivemos em meio a uma sociedade na qual várias vozes querem se fazer ouvir, e dizem saber como entender o homem, resolver seus conflitos interiores e modificar o seu comportamento.

Como afirmou Paulo, devemos ter todo o cuidado para não ser enredados com filosofias e vãs sutilezas que são conformes à tradição dos homens e os rudimentos do mundo e não segundo Cristo (cf. Cl 2.8).

No tempo do profeta Jeremias, falsos profetas confundiam o povo de Israel, “instruindo” o povo de acordo com os sonhos que diziam ter. O Senhor, por meio de Jeremias, então afirmou: “O profeta que tem sonho conte-o como apenas sonho; mas aquele em que está a minha palavra, fale a minha palavra com verdade” (Jr 23.28).

Guardadas as devidas proporções, devemos entender que as teorias seculares que tentam explicar o homem e a forma como ele se comporta também acabam instruindo de forma errada. Nessas teorias, o pecado passa a ser visto como doença (ou transtorno) e a responsabilidade pessoal é deixada de lado, pois o problema geralmente está no meio em que se vive ou naquilo que outros fizeram contra nós. O homem, na maioria das vezes, é visto como “vítima”.

É dever da Igreja do Senhor fazer ecoar a voz daquele que entende perfeitamente o homem e sabe exatamente qual é a razão de todos os seus problemas. Devemos proclamar a voz do Criador e único capaz de redimir o homem.

Sendo a Escritura suficiente para a vida e para a piedade (cf. 2Pe 1.3), devemos ter a mesma convicção de Davi: “A Lei do Senhor é perfeita e restaura a alma” (Sl 19.7a). O que ele afirma aqui, literalmente, é que a Lei do Senhor traz a alma de volta para Deus.

É por tudo isso que devemos ser diligentes em nossa tarefa de aconselhar uns aos outros, instruindo-nos mutuamente pela Palavra de Deus. A Bíblia deve ser o nosso livro texto para avaliar os problemas e trazer a solução.

Que “habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração” (Cl 3.16).

Isso será trabalhoso? Certamente! Mas permaneça firme e inabalável, sendo abundante na obra do Senhor, sabendo que nele o nosso trabalho não é vão (cf. 1Co 15.58).

Milton C. J. Junior