quarta-feira, 30 de maio de 2018

Instrua o seu coração!

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Faltam três semanas para a estreia “daquele” filme e milhares de pessoas não veem a hora chegar. “Aquele” carro novo, ultramoderno e arrojado, foi anunciado para o próximo mês e os amantes de carro já estão em polvorosa. A Netflix anunciou mais uma temporada “da melhor” série que já existiu e os fãs estão ansiosos...

Eu podia descrever inúmeros exemplos (e você saberia de outros tantos) de como as pessoas ficam ansiosas e aguardam com grande expectativa algumas coisas. A pergunta a ser feita aqui é: porque isso acontece?

A Palavra de Deus é enfática ao afirmar que o homem é controlado por seu coração. Conforme o Senhor Jesus, aquilo que governa o coração governará a vida do homem, pois, “onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração” (Mt 6.21).

O que acontece nos exemplos dados no início é que as pessoas ensinam seus corações a gostar de determinadas coisas. Cinéfilos vivem lendo a respeito de filmes, gostam de saber dos últimos lançamentos e de quais são os indicados ao Oscar; aqueles que curtem carros conhecem como ninguém como eles funcionam, qual o melhor modelo e buscam revistas especializadas a fim de saber mais a respeito de sua paixão e, assim, seus corações são “treinados” a fim de gostarem e ansiarem por novidades nessas áreas.

É exatamente por causa do controle do coração sobre a vida do homem que o salmista afirmou: “Guardo no coração as tuas palavras, para não pecar contra ti” (Sl 119.11). Veja a relação estabelecida! A Palavra estando no coração possibilitaria que ele não pecasse contra Deus. O Senhor Jesus afirmou isso de outra forma no Novo Testamento ao declarar que “a boca fala do que está cheio o coração” (Lc 6.45).

Você já se perguntou, por exemplo, o porquê de muitos crentes não ansiarem pelo Dia do Senhor da mesma forma que anseiam pela estreia daquele filme, do final do campeonato ou das tão aguardadas férias? É exatamente pelo fato de não instruírem seu coração, enchendo-o com a Palavra a fim de que ele anseie pelo dia em que se reunirá com a Igreja do Senhor a fim de prestar culto àquele que se deu por eles. É não compreender a beleza e a importância da obra do Redentor em seu lugar, pois ao compreender adequadamente tudo isso, será impossível não ansiar pelo dia em que a Igreja se reúne para louvar seu Salvador.

Quando o coração não é devidamente instruído pela Palavra, mediante a iluminação do Santo Espírito, ele não anseia pelo Senhor e por louvar a sua Glória! Nesse sentido, algo interessante a se notar é a forma como se expressam os filhos de Corá: “Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim, por ti, ó Deus, suspira a minha alma” (Sl 42.1). O versículo demonstra que a alma do salmista entendeu a importância do Senhor para ela, a ponto de comparar com o anseio da corça pelas águas. O coração foi instruído que da mesma forma que corça precisa da água para sobreviver, ele precisa do Senhor. É preciso instruir o coração.

Há mais ainda, quando o coração não é instruído, o que espera o crente é o desassossego da alma, a angústia, a ansiedade, os temores diante das tribulações. Por essa razão, é preciso relembrar constantemente ao coração quem é o Senhor a quem servimos. Isso fará com que nos portemos de forma correta diante das tribulações, respondendo às intempéries da vida de forma piedosa.

É importante relembrar, pois nos esquecemos facilmente quem é o Senhor a quem servimos e como ele agiu no decorrer da história. O povo de Israel ficou escravizado por 400 anos, foi liberto do seu jugo e testemunhou uma grande quantidade de milagres e prodígios que Deus fez por meio de Moisés diante de Faraó, mas ao encarar o Mar Vermelho diante de si, esqueceu-se de tudo e passou a murmurar: “Vamos morrer”, “era melhor ter ficado no Egito”, etc. (Cf. Ex 14.11-12).

É isso que temos no já citado Salmo 42, o salmista relembrando à sua alma quem é o Senhor: “Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu” (Sl 42.5,11). A relevante conversa do salmista consigo mesmo era para que essa lembrança instruísse seu coração a respeito de quem é Deus e se aquietasse! Foi isso também que deu esperança a Jeremias, em meio à dura realidade dos sofrimentos do cativeiro: “Quero trazer à memória o que me pode dar esperança. As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade” (Lm 3.21-23).

Somente um coração constantemente instruído por meio da Palavra do Senhor ansiará por ele e descansará em seu governo, por ter absoluta convicção a respeito de seu caráter.

“Tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança”, escreveu Paulo aos Romanos (15.4). Essa Escritura, que o apóstolo afirma ser inspirada por Deus é “útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.16-17).

Portanto, diferente do espírito da nossa época que estimula os homens a “seguirem o seu coração”, use as Escrituras para instruí-lo acerca do que ele deve desejar. Com isso você ansiará mais pelo Senhor e saberá se portar diante de todas as situações de sua vida, incluindo o lançamento daquele filme tão aguardado e a espera pelas tão sonhadas férias.

Milton C. J. Junior

quarta-feira, 23 de maio de 2018

A volta de Cristo, um estímulo à piedade

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O Credo dos apóstolos, sem sombra de dúvidas o credo mais conhecido pela Igreja do Senhor, afirma em uma de suas cláusulas, a respeito do Senhor Jesus: “Está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos.

A doutrina da segunda vinda de Cristo é de suma importância para a vida da igreja. Nesse dia glorioso o Senhor completará de uma vez por todas a sua obra de redenção dos salvos e de condenação dos réprobos. O apóstolo Paulo afirma que “importa que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo, par que casa um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo” (2Co 5.10).

É bastante claro, considerando todo o ensino a respeito da salvação pela graça, mediante a fé, que o apóstolo não quer ensinar que é necessário fazer algo para ser salvo, absolutamente. Tudo o que deveria ser feito a fim de que o homem tivesse paz com Deus foi realizado única e perfeitamente por Cristo Jesus. Diante disso, a expectativa acerca da vinda de Cristo deve levar os crentes a perseverar em boas obras, honrando aquele que os salvou, pois, essas obras serão julgadas.

Infelizmente, apesar de declararem que creem na vinda de Cristo, na prática, muitos crentes vivem como se isso não fosse ocorrer de fato e acabam vivendo para si mesmos, flertando com as coisas desse mundo.

Isso, entretanto, não é novo. Quando Pedro escreveu sua primeira carta estava combatendo, entre outras coisas, o falso ensino de que Jesus não mais voltaria. Este ensino seduziu a muitos e levou os crentes a viver libertinamente (2Pe 2.2). Pedro alerta, então, para a realidade da vinda de Cristo que seria repentina e, certo a respeito dessa vinda, exorta os crentes a viverem em “santo procedimento”, empenhando-se por serem achados pelo Senhor “em paz, sem mácula e irrepreensíveis” (2Pe 3.8-14).

Os romanos também foram ensinados a esse respeito pelo apóstolo Paulo. No capítulo 13 ele trata do amor que é devido pelo cristão como sendo uma dívida sem fim, expressa na Lei do Senhor e que visa o bem do próximo. Apesar de ter demonstrado ser o amor um mandamento, Paulo também associa a prática desse amor à certeza da volta de Cristo. Isso pode ser notado nas expressões “digo isto a vós outros que conheceis o tempo” e “vem chegando o dia”, nos versículos 11 e 12.

Ele explica que os romanos deveriam esperar a vinda de Cristo estando despertos do sono e esse viver desperto consistia em deixar as obras das trevas, revestindo-se das armas da luz, implicando no conhecimento da Palavra, que é a “espada do Espírito” (Ef 6.17)­­­­.

Entretanto, para viver dessa forma, não basta meramente conhecer a Palavra. A Escritura aponta para a forma de viver em conformidade com a vontade de Deus e você pode mesmo mortificar a carne, mas para que isso seja possível, é necessário revestir-se de Cristo (Rm 13.14), ou, em outras palavras, é necessário ser conformado à imagem de Cristo, pois para isto fomos eleitos (Rm 8.29).

As Escrituras não dão simplesmente um montante de regras a fim de que os crentes mudem o modo de se portar. As coisas não funcionam desta forma, pois viver assim seria mero legalismo: deixe de fazer isso e faça aquilo. A única forma de mudar efetivamente a vida, vivendo de modo piedoso, é estando em Cristo. Ele afirmou aos seus discípulos, “sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15.5).

Portanto, se alguém é pavio curto ele não busca ser manso, ele busca a Cristo e terá domínio próprio. Se alguém é imoderado não deve buscar moderação, mas a Cristo, pois se estiver em Cristo será moderado. É isto que temos na epístola aos gálatas onde podemos notar que as obras pecaminosas são da carne, mas o fruto piedoso é do Espírito, por isso, buscamos a Cristo a fim de frutificar para ele, no poder do Espírito.

Nessa caminhada, à medida em que vamos sendo transformados à imagem de Cristo, enquanto aguardamos a sua gloriosa vinda, certamente haverá tentações e, mais ainda, há o perigo de premeditarmos o pecado. Por isso Paulo instrui os romanos para que, ao mesmo tempo em que se revestissem de Cristo, nada dispusessem para a carne, no tocante às suas concupiscências, ou, como está traduzido na NVI, “não fiquem premeditando como satisfazer os desejos da carne” (Rm 13.14).

Deixe-me ilustrar isso. Há poucos meses fui diagnosticado com diabetes e, por conta disso, tenho medido constantemente a glicemia, a fim de verificar como meu organismo tem respondido à medicação. Duas horas após a refeição, o normal é que a glicemia esteja, no máximo, 140 mg/dL. Na comemoração do meu aniversário fugi da dieta e comi bolo, salgadinhos, doces e refrigerante. Duas horas depois fiz a medição e, com alegria, vi que a glicemia estava em 122. No outro dia brinquei com uma ovelha de nossa igreja, que é médico: “Se eu soubesse que ia dar só 122, tinha comido mais uns cinco brigadeiros”.

Esse tipo de pensamento seria exatamente o “premeditar como satisfazer os desejos da carne”, ficar confabulando, planejando, como matar um desejo. O cristão não pode ficar procurando maneiras de pecar e, para isso, deve revestir-se de Cristo! Nele, e somente nele, os crentes podem cumprir as ordenanças da Palavra e, se pecarem (note bem o “se”) podem contar com um excelente advogado, Jesus Cristo, o Justo (1Jo 2.1).

A expectativa da vinda de Cristo é um excelente motivador para que os cristãos perseverem em sua busca por santidade. Com sua vinda em mente, não buscaremos satisfazer os desejos pecaminosos da carne, mas, em piedade, aguardaremos o glorioso dia de sua volta, dia em que, de uma vez por todas, a nossa satisfação será plena!

Milton C. J. Junior

quinta-feira, 17 de maio de 2018

O seu melhor não é o suficiente!

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Ao ler o título acima talvez você tenha pensado que ele não é muito motivador. Talvez tenha passado por sua cabeça que ele até diminui a auto estima de quem está lendo, principalmente nos dias politicamente corretos em que vivemos, onde até mesmo aqueles que não desempenham bem suas funções ou tarefas acabam sendo premiados. Nossa sociedade está criando uma geração de melindrosos que não admite reconhecer suas limitações.

Lembro que na minha infância, para se ganhar uma medalha nos esportes era preciso treinar bastante e ser o melhor. Nos dias de hoje, basta a participação. Todos ganham medalhas, do primeiro ao último colocados. Até mesmo a forma de se expressar a respeito da derrota tem mudado. Recentemente tive de explicar para minha filha que numa disputa de duas pessoas não se “ganha em segundo lugar”.

Se hoje se premia os que não são melhores, imagine então dizer que o seu melhor não é o suficiente. Entendo sua possível estranheza com o título, então, deixe-me explicar melhor a minha afirmação.

Dia desses, conversando com um amigo, ele me disse em relação à sua vida profissional: “Não entendo o que está acontecendo. Não sei o que Deus está querendo. Estou fazendo o meu melhor, mas as coisas não andam”.

Na mesma hora pensei no que está registrado no Salmo 127.1: “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que edificam; se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela”. Creio que Salomão aponta aqui para dois aspectos. O primeiro é a tônica do livro de Eclesiastes. Penso que o Salmo resume muito bem o livro de Eclesiastes, também escrito por Salomão, que é o fato de que à parte do Senhor tudo é vão. Daí ele afirmar no segundo versículo do Salmo: “Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão que penosamente granjeastes”. Note que o pão foi ganhado, mas na visão de Salomão, sem uma vida na presença do Senhor tudo é inútil, entretanto, “aos seus amados ele o dá [o pão] enquanto dormem”.

É o Senhor que dá sentido e significado à vida do homem que foi criado para exaltar sua majestade e glória. Daí Paulo ordenar aos Coríntios, “quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31). Nessa perspectiva, Salomão também diz no livro de Eclesiastes: “Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem do seu trabalho. No entanto, vi também que isto vem da mão de Deus, pois, separado deste, quem pode comer ou quem pode alegrar-se?” (Ec 2.24-25).

Mas o segundo aspecto que penso estar sendo descrito por Salomão no Salmo 127 é o que está destacado no título desta pastoral, o fato de que ainda que você faça o seu melhor, se Deus não estiver no processo, de nada adiantará. Isso aponta para a dependência de Deus.

Pense novamente nos primeiros versículos do Salmo. Salomão não está dispensando os trabalhadores que edificam a casa ou a sentinela que vigia a cidade. O ensino aqui é sobre não confiar em si mesmo ou presumir que basta somente fazer o seu trabalho bem feito que as coisas acontecerão. Se o Senhor não edificar a casa e não guardar a cidade, não adianta o trabalho bem feito dos edificadores ou da sentinela. É o Senhor quem edifica a casa e guarda a cidade e ele faz isso por meio do trabalho dos edificadores e da sentinela.

De novo, isso aponta para a dependência que se deve ter de Deus e implica fazer muito bem o seu trabalho, sem nunca se enganar, sabendo que “toda boa dádiva e todo dom perfeito são lá do alto, descendo do Pai das luzes, em que não pode existir variação ou sombra de mudança” (Tg 1.17).

Aqueles que se esquecem desta verdade e atribuem seus feitos e conquistas à sua própria capacidade, roubam a glória de Deus e se entenderão com ele. Um bom exemplo disso está em Isaías 10, onde temos a profecia do Senhor contra a Assíria. Deus iria enviar a Assíria contra Israel. Ela seria o cetro da ira de Deus e a vara em sua mão o instrumento do furor do Senhor a fim de castigar os pecados do seu povo. Entretanto, na cabeça do rei da Assíria ele estaria fazendo isso por conta de seu grande poder e força.

Deus, então, decreta: “por isso, acontecerá que, havendo o Senhor acabado sua obra no monte Sião e em Jerusalém, então, castigará a arrogância do coração do rei da Assíria e a desmedida altivez dos seus olhos; porquanto o rei disse: Com o poder da minha mão, fiz isto, e com a minha sabedoria, porque sou inteligente; [...] Porventura, gloriar-se-á o machado contra o que corta com ele? Ou presumirá a serra contra o que a maneja? Seria isso como se a vara brandisse os que a levantam ou o bastão levantasse a quem não é pau” (Is 10.12,13,15).

Diante de tudo isso, tenha em mente que você deve sempre fazer o seu melhor, com os dons e talentos que tem, para a glória do Deus que concedeu tal capacidade. Depois disso, não coloque a confiança do seu coração no que fez, mas no Senhor que leva a cabo tudo o que ele quer fazer, na hora que ele quer fazer. Isso te fará descansar em seu sábio e soberano governo. Por fim, não esqueça de tributar ao Senhor a glória devida, quando ele abençoar o trabalho de suas mãos.

O seu melhor não é o suficiente! Ele deve vir acompanhado de um profundo senso de dependência, submissão, gratidão e louvor ao Deus que faz todas as coisas por meio de Jesus Cristo (o melhor de Deus para nós), segundo sua própria vontade, usando instrumentos frágeis como eu e você, para a glória e louvor dele mesmo.

Milton C. J. Junior

quinta-feira, 10 de maio de 2018

Orando a um Deus soberano e providente

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“O que Deus é?”. Esta pergunta, de número 4 do Breve Catecismo de Westminster, traz uma resposta maravilhosa: “Deus é espírito, infinito, eterno e – repare bem o que vem a seguir – imutável eu seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade”.

A verdade de que Deus é imutável traz segurança àqueles que confiam em sua Palavra. A segurança da salvação, por exemplo, está firmemente enraizada nesse conceito, o que explica a convicção de Paulo quando escreveu aos filipenses afirmando que estava “plenamente certo de que aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6).

Entretanto, em se tratando de oração, muitos cristãos não têm levado em conta a doutrina da imutabilidade de Deus. Por essa razão entendem que de alguma forma podem mudar a vontade de Deus, por meio de suas orações.

Enquanto escrevo, me vem à mente um episódio ocorrido em meu primeiro ano de seminário. Eu e alguns amigos tínhamos ido a uma igreja dita evangélica a fim de entrevistar líderes sobre o tema: “a oração muda a vontade de Deus?”. Liguei o gravador e o pastor começou a responder convicto com um firme “sim”. Ele tentou, então, provar biblicamente sua posição, dizendo: “Você lembra a história daquele homem (ele não lembrava o nome de Abraão!) que pediu a Deus para não destruir a cidade se houvesse nela trinta justos?”. Acho que enquanto contava a história ele lembrou que a cidade foi destruída, até que por fim afirmou: “Se a oração não muda a vontade de Deus é melhor servir ao diabo”.

Por mais chocante que possa parecer, o que esse homem disse reflete aquilo que não é dito, pelo menos não tão abertamente assim, por muitos outros cristãos que entendem que Deus deve estar pronto a ceder a seus desejos (ou caprichos?), ao ouvir uma oração feita “com muita fé”. Esses acabam se igualando aos pagãos que, nas palavras de Jesus, “presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos”. O interessante é que na sequência desse texto, o Senhor exortou a seus discípulos, dizendo: “Não vos assemelheis, pois, a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais” (Mt 6.7,8).

Daí, então, vêm aqueles que, não menos enganados, dizem que não é preciso orar, pois Deus já sabe o de que necessitamos e não vai mudar de ideia, caso peçamos o contrário. Esquecem-se, esses, que após afirmar que o Pai sabe o de que seus discípulos têm necessidade, Jesus ordenou: “Portanto, vós orareis assim” (Mt 6.9); e que Paulo ordenou aos tessalonicenses que orassem sem cessar (1Ts 5.17).

Como entender corretamente a oração? Aprendamos com o rei Davi. Ao ler o Salmo 139 você pode notar que Davi tinha convicções bem firmadas a respeito da vontade soberana de Deus em sua vida. Ele escreveu: “Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda” (Sl 139.16). Uma convicção dessas talvez fizesse com que muitos deixassem de orar, o que não foi verdade na vida de Davi, pois, a começar desse Salmo, podem ser encontradas várias outras orações do rei, em diversos momentos de sua vida.

Pois bem, você deve lembrar de um desses momentos. Em determinado ponto de sua vida Davi cometeu adultério com Bate-Seba, que veio a engravidar. Após toda a trama do rei para trazer Urias da guerra a fim de que se deitasse com sua esposa e pensasse que o filho era dele (plano que não foi bem-sucedido) e que terminou com a ordem de Davi para que Urias fosse colocado à frente do exército para morrer o que, de fato, ocorreu, Davi tomou Bate-Seba por esposa e tudo parecia bem. Ele tinha “resolvido” o seu problema (2Sm 11).

Entretanto, Deus enviou Natã a Davi e este foi confrontado pelo profeta acerca de seu pecado. Após arrepender-se, Davi ouviu de Natã que Deus o havia perdoado, mas que por causa do que havia feito seu filho, fruto do relacionamento adúltero com Bate-Seba, morreria (2Sm 12.1-14). O versículo seguinte informa que, após Natã ir para casa, o Senhor fez enfermar a criança (12.15).

O que faria, diante de uma palavra tão enfática do Senhor, um homem que entendia que todos os seus dias estavam escritos e determinados? O texto nos informa: “Buscou Davi a Deus pela criança; jejuou Davi e, vindo, passou a noite prostrado em terra” (12.16). Davi orou e jejuou por sete dias, ao cabo dos quais a criança morreu. Diante disso, Davi levantou-se da terra, lavou-se, ungiu-se, adorou a Deus, foi para casa e alimentou-se. Seus servos, espantados, perguntaram o que ele estava fazendo, pois pela criança viva ele havia jejuado e orado, e agora que era morta ele havia levantado e comido pão.

A resposta de Davi aponta para a sua submissão: “Vivendo ainda a criança, jejuei e chorei, porque dizia: Quem sabe se o Senhor se compadecerá de mim, e continuará viva a criança? Porém, agora que é morta, por que jejuaria eu? Poderei fazê-la voltar? Eu irei a ela, porém ela não voltará para mim” – o texto continua – “Então, Davi veio a Bate-Seba, consolou-a e se deitou com ela; teve ela um filho a quem Davi deu o nome de Salomão; e o Senhor o amou” (cf. 2Sm 12.17-25).

O que pode ser notado aqui é que Davi, ainda que tivesse ouvido de Deus acerca da morte de seu filho, não se privou de clamar ao Senhor, mas com uma atitude de submissão, notada na expressão “quem sabe”, ou, em outras palavras, “se o Senhor quiser...”. Deus havia dito que a criança morreria, mas não havia dito quando e Davi, então, rogou pela misericórdia. Talvez isso soe para alguns como uma contradição, mas é bom lembrar que o próprio Senhor Jesus orou ao Pai pedindo que, se possível, o livrasse da cruz, mas que frisou, “contudo, não seja o que eu quero, e sim o que tu queres” (Mc 14.16).

Aqui o ensino do Breve Catecismo pode nos ajudar mais uma vez: “Oração é um oferecimento dos nossos desejos a Deus, por coisas conformes com a sua vontade, em nome de Cristo, com a confissão dos nossos pecados, e um agradecido reconhecimento de suas misericórdias” (P. 98) – e mais – “Na terceira petição, que é: ‘Faça-se tua vontade, assim na terra como no Céu’, pedimos que Deus, pela sua graça, nos torne capazes e desejosos de conhecer a sua vontade, de obedecer e submeter-nos a ela em tudo, como fazem os anjos no Céu” (P. 103).

A soberania de Deus (ele fará a sua vontade) e a responsabilidade humana (eu preciso orar sem cessar) caminham juntas. Ouvi, certa vez, uma ilustração sobre um puritano que precisava sair de sua casa no meio da floresta para ir à uma vila. Ele vestiu-se, pegou sua espingarda e quando saia sua esposa questionou: “Para que a arma?”, ouvindo como resposta que era para o caso de encontrar algum urso pelo caminho. A esposa, então, disse que a arma não seria necessária, pois se ele estivesse predestinado para morrer naquele dia, morreria, se não, chegaria ao destino. A resposta que ela ouviu do marido foi: “E se no caminho eu encontrar um urso predestinado para morrer hoje, como farei sem minha espingarda?”.

Não divorcie essas duas verdades! Desta forma, ao orar ao Deus soberano e providente, você não tentará mudar a sua vontade. Antes, em submissão, entenderá que ele fará exatamente o que já decretou na eternidade e que, providencialmente, decretou que ouviria orações que estivessem de acordo com essa vontade soberana.

Milton C. J. Junior

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Deus cuida de nós enquanto cuidamos de outros – ou – Lições aprendidas ao aconselhar minha filha

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Filhos são herança do Senhor. Deus nos concede a bênção de ter filhos e, juntamente com isso, o privilégio e responsabilidade de instruí-los no caminho da justiça. De acordo com o texto de Deuteronômio esta instrução não deve acontecer somente em momentos específicos e/ou pontuais, mas as palavras ordenadas por Deus devem estar no coração dos pais para que “inculquem” e falem delas aos filhos “assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te” (6.7), ou seja, em todo o tempo.

Pais devem estar atentos a todas as oportunidades concedidas pelo Senhor para pastorear e ministrar ao coração dos filhos e hoje tive um desses momentos. Tenho dois lindos filhos, herança preciosa do Senhor, mas, como puxaram os pais, pecadores. Triste sorte, não fosse a esperança que há no evangelho do Redentor Jesus Cristo. Pela manhã um episódio simples serviu para eu ver como o Senhor Deus opera graciosamente em seus filhos.

Eu tinha pegado em uma lanchonete fast-food alguns gorros dos Smurfs de papelão, para montar, e Fernanda, minha filha mais velha, montou para ela e para Filipe, meu mais novo. Ele reclamou que o dele tinha rasgado e eu fui ver. Constatamos (eu e Fernanda) que não havia rasgado e que somente havia desencaixado uma parte da outra. Eu, entretanto, verifiquei também que Fernanda tinha encaixado da forma errada e disse isso a ela que prontamente respondeu: “Está certo, eu li as instruções”. “-Minha filha, está errado”. “-Não está não!”, falou ela já em tom choroso.

Como recentemente havia acontecido outros episódios em que ela não se deixava instruir, demonstrando todo o seu orgulho, eu lhe disse: “-Tá bom sabichona, você está certa”. Isso a deixou inquieta: “-Não sou sabichona”. “-É claro que é minha filha, você sabe mais que seu pai”, dizia eu enquanto ela me ignorava. Esta última atitude me fez falar de forma mais dura com ela que ouviu um pouco mais sobre o quanto estava sendo orgulhosa, sobre o não querer aprender e me viu ir para o quarto ajudar Filipe com outra coisa.

Não passou muito tempo, vem ela, chorosa, pedindo perdão. Perguntei a respeito da razão para o pedido e ela disse que era por ter me ignorado e ter sido orgulhosa. Como conselheiro bíblico que sou, vi então a oportunidade de ministrar ao coração da minha primogênita, afinal, conheço bem Deuteronômio 6! Falei que ela ainda estava em fase de aprendizado e que, por mais que já soubesse algumas coisas, ainda não sabia mais que o seu pai. Disse que o orgulho leva as pessoas a não aprenderem, pois se já entendem que sabem tudo, nunca irão querer aprender com outros. Disse ainda que Deus não se agrada de soberbos (Tg 4.6) e que o Senhor Jesus, a pessoa mais sábia que existe, era humilde, então, precisamos olhar para ele e buscar nele o desejo de ser semelhante ele é e que somente nele temos a ajuda para tudo isso.

Instruí que ela orasse pedindo perdão também a Deus por seu orgulho e para que ele a concedesse coração mais humilde, o que ela fez prontamente. Meu trabalho como pai e como conselheiro estava feito!

O que eu não esperava

Após a oração, Fernanda começou a chorar novamente. Pensei “com meus botões” que havia mais a ser tratado com ela e perguntei a razão do choro. Ela respondeu: “-O sr. debochou de mim, falou que não ia mais me chamar de sabichona e debochou de mim de novo”. Pensei, então, na minha falta!

Ela estava coberta de razão. Dias antes, por conta de seus episódios de orgulho em que achava saber mais do que eu, teimando a respeito das coisas mais bobas (por exemplo, sobre quem teria sido o descobridor do Brasil, ela insistia em D. Pedro I, confundindo as histórias) eu, que sou bastante cínico (um pecado contra o qual tenho de lutar e vigiar constantemente) comecei a chama-la de sabichona, com um tom de voz que ela entendeu acertadamente não se tratar exatamente de um elogio. Ela se ofendeu, disse que era pecado o que eu estava fazendo e que eu havia dito a ela que não faria mais isso, o que não cumpri no episódio que estou narrando aqui.

Agora pense comigo. O que seria o meu cinismo senão, também, uma demonstração de orgulho? Diante de uma criança que não se dobra à minha sabedoria, o deboche não seria uma tentativa de impor, pelo constrangimento, o que eu estava ensinando? Aqui ficou constado que ela tem o meu DNA, e ambos temos o dos nossos primeiros pais que, orgulhosos, deixaram de lado a instrução de Deus seguindo o caminho proposto pela serpente na ânsia de serem como o Senhor.

Confesso que na hora pensei em não admitir meu erro. Mesmo trabalhando com aconselhamento a tanto tempo sei que é bem fácil esquecer a primeira parte de Gálatas 6.1: “Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma fata, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de brandura”. Ainda que eu estivesse falando com “brandura”, minha atitude foi parecida com a de um instrutor “calejado” ensinando a um aluno que ainda não sabia como agir. Pior ainda, isso revelou que não atentei para a segunda parte do versículo: “e guarda-te para que não sejas também tentado”. Minha filha confrontou em mim o mesmo pecado que eu estava percebendo nela e, pela graça de Deus, ouvi o que ela disse, afirmei que ela estava correta no que estava me cobrando, pedi perdão a ela e orei, junto com ela, pedindo perdão ao Senhor.

Conselheiros não devem olhar para os seus aconselhados como se fossem pessoas que já chegaram à perfeição e que agora podem ajudar aqueles que ainda não chegaram lá. É preciso lembrar que nossa realidade é a mesma do apóstolo Paulo que dizia: “Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus” (Fp 3.12). Como diz o título do excelente livro de Paul Tripp, somos apenas “Instrumentos nas mãos do Redentor – pessoas que precisam ser transformadas ajudando pessoas que precisam de transformação”.

Com esta experiência pude trazer à memória que ambos, eu e minha filha, precisamos a cada dia de um Redentor amoroso que não se cansa de formar em nós o seu próprio caráter (Gl 4.19), pois para isso o Pai nos escolheu, para sermos conformes a imagem de seu Filho (Rm 8.29). Em um momento que para mim seria apenas de instrução para minha filha acabamos, eu e ela, experimentando o amor gracioso do Salvador e Redentor de nossas vidas, que é o único que é perfeito e que, por isso, pode aperfeiçoar aqueles que estão a seus pés, Jesus Cristo, o Senhor!

Milton C. J. Junior