quarta-feira, 27 de março de 2019

Convém que ele cresça! – Refletindo sobre a personificação ministerial

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João Batista despontava como um grande líder em seu tempo. Seu ministério de pregação ia bem e, conforme relata Mateus, “saíam a ter com ele Jerusalém, toda a Judeia e toda a circunvizinhança do Jordão; e eram por ele batizados no rio Jordão, confessando os seus pecados” (Mt 3.5). João não negociava a mensagem, não queria simplesmente mais adeptos, mas ver vidas transformadas. Quando percebeu que muitos fariseus e saduceus apresentavam-se ao batismo exortou duramente: “Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura? Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento” (Mt 3.5-8).

Numa ocasião o próprio Jesus se apresentou ao batismo e, mesmo diante da tentativa de dissuasão de João Batista, que dizia que ele é quem precisava ser batizado pelo Senhor, foi batizado para que se cumprisse toda a justiça (cf. Mt 3.13-15). Outro João, o evangelista, relata que após isso o Batista estava em companhia de dois discípulos quando viu passar a Jesus. Prontamente ele afirmou que ia ali o Cordeiro de Deus e seus dois discípulos seguiram o Senhor. João Batista preocupava-se em exaltar a Cristo.

Aconteceu que num dia os discípulos de João Batista discutiram com um judeu sobre a purificação e chegaram a João com uma “queixa”, dizendo: “Mestre, aquele que estava contigo além do Jordão, do qual tens dado testemunho, está batizando, e todos lhe saem ao encontro” (Jo 3.26).

Ao saber da notícia João tomou uma rápida providência. Reuniu sua equipe de marketing e decidiu inaugurar um novo templo com uma grande placa na frente na qual se podia ler: “Igreja Intercontinental Precursora do Cordeiro” e em letras garrafais: “MINISTÉRIO PROFETA JOÃO BATISTA”. Estampou, também, na placa, uma foto sua com um sorriso forçado e um pedaço de pergaminho na mão, para deixar bem claro quem era o líder daquela comunidade.

Calma! Eu sei que o que está no parágrafo acima não aconteceu. Esta última parte foi uma divagação da minha mente ao pensar no que talvez tivesse acontecido, caso no lugar de João Batista estivessem muitos dos líderes evangélicos de nossos dias.

Vivemos dias difíceis. Dias em que, por parte de muitos líderes, há uma busca pela autoglorificação e, por conta disso, uma propaganda acentuada de seus ministérios ao mesmo tempo em que Cristo é cada vez menos anunciado. Por parte dos crentes, uma louvação a homens e a esperança de que eles são os responsáveis pelo sucesso da igreja. Isso explica o fato de não se colocar apenas o nome da denominação na placa, para indicar que é uma igreja cristã, mas de colocar também o nome da “estrela principal” para aquele grupo.

Gostaria de poder dizer que esse é um fenômeno presente somente em igrejas neopentecostais, mas a realidade aponta para outra direção. Infelizmente, até nos arraiais tradicionais há a tendência de exaltar homens e de achar que um ou outro ministro são essenciais para que a denominação vá bem.

 Certa vez ouvi um pastor afirmar que determinado presbitério não estava crescendo e que algo deveria ser feito em relação a isso, mas, em vez de propor que os Conselhos das igrejas zelassem mais pela exposição fiel da Palavra de Deus e dependessem do Espírito Santo que convence o homem do pecado, da justiça e do juízo, a proposta foi: “Deveríamos fazer uma grande cruzada e convidar o Rev. Fulano de Tal para pregar, isso iria encher as igrejas do nosso presbitério”. Há alguns anos a Associação Billy Graham promoveu em nosso país o “Minha Esperança Brasil” e o modelo era o mesmo, centrado na pessoa de um pregador. O projeto consistia em convidar amigos e vizinhos não crentes para irem à sua casa assistir aos programas que teriam como pregadores Billy e Frank Graham, como se a mensagem pregada por esses irmãos fosse mais eficaz que a pregada pelos demais cristãos.

 É claro que não estou negando que existem homens mais preparados ou capacitados. Não seria tolo a esse ponto. O Senhor distribuiu dons à sua igreja para que ela fosse equipada e edificada. Sei que ele concedeu “uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo” (Ef 4.11-12). O meu ponto é que, por mais capacitados que sejam os homens, a glória nunca pode ser deles nem a confiança do povo deve estar depositada neles ou, em outras palavras, a glória e a esperança não devem estar nos que são capacitados, mas naquele que os capacita.

 É sempre uma tentação para qualquer pregador o aceitar glória para si, mas temos exemplos bíblicos que nos chamam à sensatez. Pense, por exemplo, no apóstolo Paulo. Ele mesmo afirma que tinha propensão à soberba e que, por conta disso, foi-lhe posto um espinho na carne para humilhá-lo (2Co 12.7). Curiosamente, quando pregava em Filipos, lidou com uma tentação exatamente nessa área. Por muitos dias, uma jovem adivinhadora andava após ele e seus companheiros dizendo: “Estes homens são servos do Deus Altíssimo e vos anunciam o caminho da salvação” (At 16.17). Imagine alguém elogiando a sua performance como pregador. O que você faria? O que Paulo fez foi se indignar e repreender o espírito imundo daquela mulher (At 16.18). Foi o mesmo Paulo que exortou aos romanos: “Porque, pela graça que me foi dada, digo a cada um de vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um” (Rm 12.3).

Voltando a João Batista, o que ele fez diante da tentação de se enciumar com o ministério de Cristo foi humildemente reconhecer que o ministério de Cristo vinha da parte do Senhor (Jo 3.27), reconhecer que ele não era o Cristo, mas seu precursor (Jo 3.28) e reafirmar a sua alegria de, como “amigo do noivo”, ver o noivo ser exaltado (Jo 3.29).

Quanto a nós, cabe-nos humildemente cumprir nosso chamado de proclamar o Redentor e, fazendo coro com o Batista, afirmar: “Convém que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3.30).

Milton C. J. Junior

segunda-feira, 18 de março de 2019

Você creu de todo o coração?

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Quando Deus ordenou a Filipe, que vinha fazendo um bom trabalho pregando em Samaria, onde as multidões atendiam às coisas que ele dizia, que fosse a um caminho que se achava deserto, havia um propósito específico. Em sua providência, o Senhor levou Filipe até um eunuco, oficial da rainha dos etíopes, que voltava da adoração em Jerusalém e vinha lendo o profeta Isaías.

Filipe, obedecendo ao Espírito Santo, se aproximou do carro em que estava o eunuco e perguntou se ele entendia o que estava lendo. Diante da negativa e do pedido para que Filipe explicasse o texto, aquele homem entendeu o evangelho e chegando perto de um lugar onde havia água, questionou: “Eis aqui água; que impede que seja eu batizado?” – ao que Filipe respondeu – “É lícito, se crês de todo o coração” (At 8.36,37a).

Para que alguém receba a água do batismo, que aponta para a purificação do coração realizada pelo Espírito Santo, é preciso que se creia em Jesus Cristo. Por essa razão foi que Filipe não se negou a batizar o eunuco que o respondeu: “Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus” (At 8.37b).

É claro que essa confissão não é mera declaração do entendimento intelectual dessa verdade, mas deve vir acompanhada de arrependimento genuíno, seguido de uma mudança de vida, na força e no poder do Espírito Santo. Foi por causa dessa verdade que Paulo, então, ordenou aos filipenses que desenvolvessem a salvação, ou seja, que buscassem uma vida de santidade que era possível porque o Deus que os tinha salvado operava neles o querer e o realizar, de acordo com a sua boa vontade (Fp 2.12,13).

Crer de todo o coração significa viver em santidade diante do Senhor e não somente fazer uma declaração formal de arrependimento e fé em Cristo.

Um episódio que demonstra a importância da coerência entre a declaração de fé e a vida de prática está no início dos evangelhos, quando João Batista batizava no Jordão.

É verdade que o batismo de João não era o batismo cristão. Prova disso é que ao encontrar alguns discípulos em Éfeso, Paulo perguntou em que batismo haviam sido batizados e, após ouvir que tinha sido no batismo de João, batizou-os em nome do Senhor Jesus (At 19.1-5).

O batismo de João, conforme Paulo, era um batismo para arrependimento, possivelmente semelhante às cerimônias de purificação do AT. Como João era o precursor do Messias ele exigia uma vida de retidão para que alguém fosse batizado, daí ele exortar enfaticamente: “Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura? Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento” (Mt 3.7,8).

Acontecia que alguns daqueles que iam se apresentar ao batismo achavam que o simples fato de submeter-se àquele rito os livraria da ira do Messias. O fruto que demonstrava arrependimento, mencionado pelo Batista era a adequação ao que ordenava a Lei. Isso fica claro no evangelho de Lucas, quando as multidões perguntam a ele o que fazer e ele reponde: “Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo. Foram também publicanos para serem batizados e perguntaram-lhe: Mestre, que havemos de fazer? Respondeu-lhes: Não cobreis mais do que o estipulado. Também soldados lhe perguntaram: E nós, que faremos? E ele lhes disse: A ninguém maltrateis, não deis denúncia fala e contentai-vos com o vosso soldo” (Lc 3.10-14).

Tudo o que João Batista responde tem fundamento na Lei que ordenava a repartir o pão com o faminto e cobrir o nu (Is 58.7), a não furtar (Ex 20.15) e a ter contentamento (Ex 20.17).

É interessante e importante notar essa questão, pois se aqueles que aguardavam a vinda do Messias não conseguiriam fugir da ira vindoura simplesmente por submeter-se a um rito ao mesmo tempo em que viviam em pecado, tampouco estarão seguros aqueles que, após a vinda do Messias, fazem uma confissão correta, submetem-se a um rito ordenado pelo Senhor, mas vivem em pecado.

A Escritura é bem clara a esse respeito: “Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática do pecado; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus” (1Jo 3.9). O batismo cristão é, então, para aquele que crê de todo o coração e essa atitude é evidenciada numa busca de santidade, que é viver no padrão estabelecido pela Lei do Senhor e que pode ser buscado na força e poder do Espírito Santo.

Você creu de todo o coração? Tem buscado conhecer a Palavra a fim de poder viver em acordo com ela? Tem procurado honrar ao Senhor? Se sim, saiba que há uma má e uma boa notícia. A má é que mesmo que busque viver dessa forma, ainda pecará. A boa é a garantia de que “se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1Jo 1.9).

Sonde o seu coração e se perceber que, ainda que batizado e membro de uma igreja, ainda não crê de todo o coração arrependa-se e busque verdadeiramente a Cristo. Ele é poderoso para perdoar os seus pecados e transformar a sua vida.

Milton C. J. Junior

quarta-feira, 13 de março de 2019

Príncipe da Paz, mas também, homem de guerra

20040816Você já parou para pensar que aquele que é chamado na Bíblia de “Príncipe da Paz” (Is 9.6) e que disse a seus discípulos “deixo-vos a minha paz, a minha paz vos dou” (Jo14.27) é o mesmo que afirmou: “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada. Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra.” (Mt 10.34)?

Como pôde o Senhor Jesus fazer afirmações aparentemente tão contraditórias? Como harmonizar essas duas declarações?

Quando Deus criou o primeiro casal à sua imagem e semelhança (Gn 1.26-28) e colocou-os no jardim do Éden havia paz. O homem obedecia ao seu Senhor e gozava de intimidade e comunhão com ele. Mas para que isso perdurasse, era necessário que o homem continuasse em obediência. Enquanto confiaram na bondade do Senhor isso ocorreu, mas a partir do momento em que deram ouvidos à voz da Serpente, que colocava em dúvida essa bondade, afirmando que a proibição de comer o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal se dava pelo fato de Deus não querer que eles fossem como ele, conhecedor do bem e do mal (Gn 3.5), desobedeceram.

A mulher comeu do fruto e deu ao seu marido que também comeu. A partir de então, com o pecado, a sentença de morte que havia sido anunciada por Deus, caso eles desobedecessem, foi efetuada. O homem morreu espiritualmente, não tendo mais comunhão com Deus e estando separado dele por causa do pecado (Is 59.2). Mais à frente viria ainda a morte física, como consequência também da queda e, após essa, a morte eterna que é a justa ira de Deus sobre o homem que lhe deu as costas (Jo 3.19).

Diferente do primeiro cenário, de paz, o que impera agora é a guerra. O homem é agora inimigo de Deus e antes que você pense que não tem nada a ver com essa guerra, lembre-se de que Paulo afirma que o homem é por natureza filho da ira de Deus, morto em seus delitos e pecados, nos quais andam segundo o curso desse mundo (Ef 2.2-3).

Pura e exclusivamente por sua graça, o Senhor resolveu que iria redimir o homem. Ao amaldiçoar a serpente ele afirmou que haveria inimizade (guerra) entre a descendência da serpente e o descendente da mulher e que este descendente esmagaria a cabeça da serpente, a despeito de ser ferido no calcanhar (Gn 3.15). Esse é o primeiro anúncio acerca do Redentor, Cristo Jesus.

Foi na cruz do Calvário que o Senhor Jesus recebeu a justa ira do Pai a fim de estabelecer a paz. Ali ele tomou sobre si a dívida que era dos eleitos e, com sua morte, satisfez toda a justiça de Deus. Ainda mais, a sua justiça é atribuída a todo aquele que crê no evangelho que anuncia essa boa notícia ao revelar a justiça de Deus (Rm 1.16-17)! Àqueles que creem o apóstolo Paulo anuncia: “justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5.1).

Foi nesse sentido, então, que o Senhor Jesus afirmou: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize” (Jo 14.27). O sacrifício de Cristo em favor dos seus satisfez plenamente a justiça de Deus e reconcilia com o Pai aqueles que, sendo por natureza filhos da ira (Ef 2.2), passam a ser filhos de Deus, ao crerem no nome de Jesus como afirmou o apóstolo João (Jo 1.12). Em relação a Deus, não há mais guerra!

Resta ainda entender a afirmação de Jesus de que não veio trazer paz, mas guerra, e creio que agora fica mais simples de se compreender. Deus havia dito à serpente que haveria inimizade entre a sua descendência e o descendente da mulher. O homem sem Cristo, que por natureza é filho da ira, conforme Paulo, ou, nas palavras de Jesus, que tem por pai o diabo (Jo 8.44), não é inimigo apenas de Cristo, mas também daqueles que, pela fé, fazem parte do seu reino. Como afirma Carson, “o mundo rejeitará tão violentamente a ele [a Jesus] e seu reino que os homens e as mulheres se dividirão em relação a ele” (Comentário de Mateus).

Isso fica evidente já no livro de Gênesis, quando Caim mata seu irmão Abel e é corroborado no Novo Testamento pelas palavras de João. Quando ele ordenou que os irmãos amassem uns aos outros, advertiu, “não segundo Caim, que era do Maligno e assassinou a seu irmão; e porque o assassinou? Porque as suas obras eram más, e as de seu irmão, justas” (1Jo 3.12). O apóstolo já havia dito no começo do mesmo capítulo que o mundo não nos conhece, da mesma forma que não conheceu ao Senhor Jesus, exatamente pelo fato de sermos filhos de Deus (1Jo 3.1).

Haverá um dia, porém, em que a serpente será derrotada de uma vez por todas. Quando a igreja de Roma sofria com os falsos mestres, instrumentos de Satanás para provocar divisão entre eles, Paulo afirmou: “E o Deus de Paz, em breve, esmagará debaixo dos vossos pés a Satanás” (Rm 16.20) numa clara alusão à guerra anunciada em Gênesis 3.15. Não é à toa, então, que a Escritura se refira ao Deus de paz também como “o Senhor é homem de guerra; Senhor é o seu nome” (Ex 15.3).

Naquele dia a paz estará plenamente estabelecida para os que creem. Para os que não creem, entretanto, a advertência do salmista continua a ecoar: “Beijai o Filho para que se não irrite, e não pereçais no caminho; porque dentro em pouco se lhe inflamará a ira. Bem-aventurados todos os que nele se refugiam” (Sl 2.12).

Que o Senhor conceda paz a você!

Milton C. J. Junior