segunda-feira, 27 de abril de 2020

Cuidado com esse tempo de Crenteflix

Semana passada tive o privilégio de participar de uma Live do Blog Inconformados cujo tema foi “A ‘igreja online’ e o corpo de Cristo”. Dentre as perguntas que tive de responder, uma estava sendo alvo de algumas ponderações minhas já há alguns dias. A pergunta era se com toda esta situação, não há o risco de muitos crentes esfriarem ou mesmo não voltarem a congregar, preferindo as transmissões online.

Este é um assunto importante, creio eu. Alguns têm mesmo gostado da atual situação, achando que é possível manter uma igreja “online”. Entretanto, levando em conta o que a Escritura ensina a respeito da igreja, percebemos que isso é impossível. Ser parte da Igreja de Cristo implica comunhão, implica estar juntos (At 2.44), sobretudo no ajuntamento solene convocado por Deus no dia do Senhor, quando a igreja reunida adora o seu majestoso Redentor. Nenhuma conexão via fibra ótica substituirá o ajuntamento dos crentes, ordenado pela Escritura.

Nestes dias de pandemia muitas igrejas locais estão se beneficiando da tecnologia a fim de levar aos seus membros alimento. É claro que isso não vai substituir as reuniões presenciais, mas é um meio de suprir uma demanda pontual. Podemos mesmo agradecer a Deus pela bênção da tecnologia, sem esquecer de vigiar para que esta bênção não se transforme em maldição. Infelizmente, pecadores que somos, conseguimos transformar coisas boas em pedras de tropeço para a vida espiritual.

Creio firmemente que todas as circunstâncias pelas quais passamos são usadas pelo Senhor a fim de revelar o nosso coração. A forma como reagimos às circunstâncias pode ser piedosa ou pecaminosa. Pense, por exemplo, na vida de Jó. A Bíblia relata que ele perdeu seus bens e seus filhos. O texto regista a reação de Jó diante de toda essa tragédia: “Então, Jó se levantou, rasgou o seu manto, rapou a cabeça e lançou-se em terra e adorou; e disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei; o Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor! Em tudo isto Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma” (Jó 1.20-22).

Após isto ele perdeu também a saúde quando foi ferido por Satanás e o texto registra também a reação de sua esposa diante de toda a situação. Ela igualmente perdeu os filhos, os bens e, apesar de não ter perdido a saúde, perdeu o marido sadio. Sua situação era tão complicada quanto a de seu marido e em meio ao sofrimento ela disse a Jó: “Ainda conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre”, sendo repreendida por ele que afirmou: “Falas como qualquer doida; temos recebido o bem de Deus e não receberíamos também o mal?” (Jó 2.7-10).

A situação era difícil, mas não foi a situação que causou a reação piedosa de Jó e pecaminosa de sua esposa. Cada um reagiu conforme aquilo que já estava em seu coração, sendo a circunstância apenas o meio usado pelo Senhor para revelar os corações.

Dito isto, nestes tempos de pandemia, com as transmissões online, muitos crentes estão demonstrando que seu compromisso não é com sua igreja local. Eles até iam às suas igrejas antes da pandemia, mas ao que parece, somente por falta de opção e porque não havia o que justificasse estarem em suas casas assistindo cultos, afinal de contas, isso é coisa de desigrejado! Agora, com o isolamento, há uma “boa” desculpa para ficar em casa e, do conforto de seus sofás, eles têm um leque de opções na Crenteflix, uma vez que o número de igrejas que estão transmitindo mensagens pela internet subiu exponencialmente.

Mesmo entre aqueles que gostavam de estar em suas igrejas locais, há um perigo sutil e uma atitude que acaba por revelar desprezo por suas igrejas locais. Explico! O crescimento no número de transmissões ocorreu porque muitos Conselhos, pastores e líderes de igrejas que nunca pensaram sequer em chegar perto de uma câmera e criar conteúdo para a internet, começaram a ficar preocupados com suas ovelhas e estão tentando suprir os irmãos, pelo menos com mensagens e estudos.

Infelizmente, como estão em suas casas, muitos têm desprezado os esforços de seus líderes e buscado no catálogo do Crenteflix os pregadores mais famosos, mais eloquentes, indicando, talvez, sua insatisfação com os líderes que o Senhor colocou para cuidar de suas vidas na igreja local. Neste caso, parecem estar na igreja somente por falta de opção e não demonstram estar gratos pelo Senhor, em sua providência, os colocar naquela determinada igreja.

Caso, após a pandemia, estes irmãos continuarem em suas casas assistindo as mensagens online, ou esfriarem na fé, não terá sido por culpa da pandemia, nem do isolamento social. Esta circunstância terá servido apenas para revelar corações insatisfeitos com a igreja local.

Não me entenda mal, não sou contra a tecnologia. Há anos mantenho um blog e as mensagens pregadas em nossa igreja semanalmente são postadas em nosso canal no YouTube. Me beneficio bastante de boas exposições de pastores sérios de igrejas irmãs e sempre recomendo bons canais, tanto para membros de nossa igreja, quanto para pessoas que eu aconselho, como ferramentas de edificação para o corpo de Cristo. Meu ponto é simplesmente o desprezo pelos líderes da igreja local.

O perigo é que se o crente pode ter, no conforto de sua casa, uma aula de escola dominical ministrada por um pastor que é muito requisitado para congressos, e ter na mensagem da noite outro tão requisitado como o primeiro, para que vai querer ouvir o pastor de sua igreja local?

Como afirma Michael Horton: “Talvez você tenha ouvido e orado as Escrituras com a sua família a cada dia, aprendendo em casa e na igreja as grandes verdades da Escritura por meio de catecismo. Porém, na cultura evangélica do novo e da novidade, nada disso conta. O que realmente importa é aquele evento espiritual extraordinário”[1].

Pensando nisso, a infinidade de conteúdo disponível hoje pode levar os crentes a tentar emular seus próprios “eventos espirituais”, com os pregadores que mais lhes agradam, totalmente desvinculados de sua igreja local. Mas como aponta Horton, “no entanto, é precisamente o ministério corriqueiro, entra semana, sai semana, que oferece crescimento sustentável e estimula as raízes a crescer para o fundo. Se os grandes momentos de nossa vida cristã são produzidos pelos grandes movimentos no mundo evangélico, a igreja local ordinária parecerá bastante irrelevante”[2].

Diante de tudo isso, encerro com alguns apontamentos:

1. Cuide para não cair na armadilha de achar que a bênção da tecnologia pode suprir o que você tem em sua igreja local;

2. Aproveite o bom conteúdo disponibilizado por muitos irmãos sérios para a sua edificação, mas sonde o seu coração a fim de verificar se a busca por estes conteúdos não é simplesmente a expressão de um coração insatisfeito com os líderes que o Senhor colocou em sua igreja e que velam por sua vida;

3. Nos dias em que há transmissão de sua igreja local, dê prioridade a isso. Em nossa igreja, por exemplo, as aulas são transmitidas em videoconferência e podemos, além de ouvir os estudos, ter contato, ainda que virtual, com os irmãos da igreja local, numa demonstração de que, apesar do isolamento, queremos estar juntos;

4. Agradeça ao Senhor se a sua igreja local tem condições e seus líderes estão se esforçando para minimizar os impactos do isolamento social na vida espiritual de suas ovelhas. Estimule-os e anime-os, ainda que eles não sejam tão bons como aquele pastor de congressos. Lembre-se que ir a um restaurante vez por outra e comer um prato especial é bom, mas o que sustenta a sua vida é o “arroz com feijão” corriqueiro;

5. Ore para que o Senhor abrevie estes dias que estamos vivendo a fim de podermos, o mais rápido possível, voltar à comunhão da igreja local. O Corpo de Cristo em que cada membro tem sua função e contribui para a edificação de todos necessita estar junto, para a glória do seu Redentor.

Milton C. J. Junior


[1] Michael Horton. Simplesmente crente. Ed. Kindle

[2] Michael Horton. Simplesmente crente. Ed. Kindle

sexta-feira, 3 de abril de 2020

O jesus “Geninho”

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No início da minha adolescência um dos desenhos animados que começaram a fazer sucesso foi She-Ra: A Princesa do Poder. A lembrança aqui é somente para destacar um dos personagens do desenho chamado, Geninho.

No final do primeiro episódio ele apareceu se apresentando mais ou menos assim: “Oi, eu sou o Geninho, descobriu onde eu estava hoje? Se não, tente outra vez”. Daí voltava uma das cenas do desenho e podia-se perceber que o Geninho estava escondido atrás de alguma árvore ou de algo que compunha a cena. Após se revelar, ele fazia um tipo de aplicação moral para as crianças. Uma das que me recordei, acessando o YouTube, é assim: “Na história de hoje o Troll teve um sonho. Quando penso em sonhos, penso logo em dormir. Da próxima vez que seus pais mandarem você dormir, lembre-se de que uma boa noite de sono é uma parte muito importante para manter a sua saúde. Tenha bons sonhos!”

Isso chamou a atenção das crianças na época, não pelos conselhos em si, mas pelo desafio de se achar o Geninho. Onde ele estará hoje? Quem conseguirá descobrir? Assim, a graça era tentar achar o personagem primeiro que os amigos que assistiam junto. Entretanto, preciso destacar algo aqui: Geralmente suas lições morais no fim do desenho eram totalmente desconectadas da história em si, como no caso citado acima onde uma cena de um Troll sonhando serviu de pretexto para uma lição (diga-se de passagem, correta) sobre a importância do sono para as crianças. Além disso, por mais que o Geninho aparecesse em todos os episódios, sua participação era irrelevante para a trama. Ele não ajudava ninguém, não interagia com ninguém, não dava dicas. Nada. Sua função era totalmente nula. Estando ou não ali, não fazia a menor diferença.

A esta altura alguns já devem ter entendido a razão de eu ter me referido no título ao jesus Geninho, mas vou ser direto. Ouvi dia desses mais um sermão que se enquadra exatamente nessa descrição. O texto foi lido, princípios morais foram extraídos da história e somente no final Jesus apareceu em umas três sentenças. Entretanto, se ele não tivesse sido sequer mencionado, não teria feito diferença alguma no sermão. Sua obra, que possibilitou redenção e vida, a fim de que pecadores imperfeitos possam viver de forma piedosa, não foi destacada, a glória devida ao seu nome, motivo pelo qual os princípios morais devem ser aplicados e vividos pelos crentes, não foi enfatizada, e sua presença nos crentes, que os capacita a viver desta maneira, não foi mencionada.

Assim é o jesus Geninho, ele até dá as caras, geralmente no fim do sermão, mas não passa de um personagem irrelevante, pois no decorrer do sermão, quem age, principalmente, é o homem com a finalidade de viver uma vida melhor, menos pesada, sem ressentimentos. Entretanto, um sermão que não enfatiza a Cristo e não dá a ele toda a glória não é sermão. Assemelha-se mais à uma palestra motivacional, dessas que são recheadas de frases de impacto e que estão na boca de qualquer coaching.

Cristãos precisam ouvir e conhecer acerca do seu Redentor. Os dilemas humanos, vividos por irmãos nossos do passado, e suas atitudes corretas diante de circunstâncias adversas não estão ali para mostrar que eles eram bons, mas o quanto a obra de Cristo os capacitou a honrar a Deus com suas atitudes. O resultado foi uma vida satisfeita, que só pode ser vivida de forma plena se os olhos estiverem no Salvador. É isso que você pode perceber em Paulo quando ele afirma: “Aprendi a viver contente em toda e qualquer situação [...] tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.11,13).

Jesus reprovou os religiosos judeus porque eles examinavam as Escrituras achando que encontrariam nelas a vida eterna, mas não queriam ir à ele, aquele de quem as Escrituras testificavam, a fim de ter vida (Jo 5.39-40). Pregadores precisam cuidar para não ensinar ao povo a fazer de forma semelhante, enfatizando os princípios a serem vividos, sem ensinar aos irmãos a impossibilidade de vivê-los plenamente sem Jesus Cristo que foi claro quando afirmou aos seus discípulos: “Eu sou a videira, vós os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer (Jo 15.5).

Toda a Escritura trata de Cristo, logo, ele precisa se visto na exposição do texto sagrado. Quando Jesus encontrou os discípulos tristes e preocupados no caminho de Emaús, perguntou-lhes a razão de estarem assim. Eles responderam que era por causa do que tinha acontecido a Jesus, o Nazareno. Eles esperavam que ele fosse o Messias, mas agora tinha sido morto pelas autoridades. Mesmo com a notícia de que as mulheres tinham ido ao túmulo e recebido do anjo a notícia de que ele vivia, a tristeza permanecia.

A partir daí, algo é muito interessante na narrativa. Jesus estava diante deles, mas não diz: Estou aqui, podem acreditar nesta notícia! Não, o Senhor primeiramente os repreende por causa de sua incredulidade. Eles não criam no que os profetas disseram a respeito de sua morte e ressurreição. A seguir, o texto diz que “começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras (Lc 24.27). Isto não é curioso? Jesus busca trazer paz ao coração dos discípulos levando-os a vê-lo por meio das Escrituras.

O Jesus da Escritura está ali o tempo todo. Não irrelevante como o Geninho, mas atuando na história para redimir, restaurar, capacitar, instruir e tudo mais que seus irmãos adotivos precisarem para viver para a glória de Deus. É por isso que ele tem de ser claramente anunciado. Somente ele capacita os crentes a terem uma vida abundante, vivendo os princípios dados por Deus em sua Palavra.

Milton C. J. Junior