quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Luz ou escuridão?

Sem-título

Instruindo a seus discípulos em Mateus 6.22 e 23, o Senhor Jesus falou dos olhos. Eles são a lâmpada do corpo. Jesus usou essa figura para ensinar sobre aquilo a que damos atenção ou que “enxergamos”. A ideia do texto não é a de que o olho seja a fonte de luz para o corpo, mas como afirma Hendriksen, “que ele é, por assim dizer, o receptor de luz, o guia do qual todo o corpo depende para a iluminação e direção”[1]. Essa interpretação pode ser corroborada por aquilo que Davi afirma no Salmo 19.8b, acerca da Palavra de Deus: “o mandamento do Senhor é puro e ilumina os olhos”.

Diante disso, podemos entender que os olhos serão bons à medida em que enxergam, ou dão atenção, à Palavra de Deus, razão de o salmista rogar: “desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei” (Sl 119.18). Sendo os olhos bons, todo o corpo será luminoso, ou seja, quando o homem dá atenção à Palavra ele vai bem em seu caminho e estará iluminado.

Há, evidentemente, um paralelo aqui com o que o Senhor havia dito anteriormente, sobre ajuntar tesouros do céu (Mt 6.19-21). Aquilo que procuramos ajuntar está ligado àquilo que temos como o nosso foco. Se queremos ajuntar tesouros celestiais, necessariamente temos que voltar os olhos para a Palavra. Não há como dissociar essas duas coisas.

Os tesouros celestiais são, então, ajuntados quando o homem olha para a Palavra e pratica a sua justiça. Como exemplo temos as próprias bem-aventuranças (Mt 5.2-12) que tratam de como o crente deve viver, vindo cada uma delas com uma promessa para a eternidade. Perceba que o texto termina com Jesus dizendo: “Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus”. Não há aqui nenhuma questão meritória, mas de consequência. Aqueles que foram iluminados e praticam a luz da Palavra de Deus, necessariamente farão boas obras e receberão o galardão por elas.

Há ainda uma advertência enfatizada na expressão de contraste “se porém”, ou, em outras palavras, caso vocês não tenham olhos bons e “os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas” (Mt 6.23a).

A expressão “olhos maus” aparece duas vezes no Antigo Testamento. A primeira em Deuteronômio, quando o Senhor estabelece leis em relação aos pobres e adverte para que o povo não tenha “olhos malignos” para com o irmão pobre, não lhe dando nada daquilo que ele necessitava (Dt 15.9). A segunda aparece em Provérbios 28.22 e está traduzida como “olhos invejosos”, ainda que a palavra hebraica seja a mesma usada em Deuteronômio. Em ambos os casos ela está ligada à avareza sendo que em Deuteronômio diz respeito a quem não quer dar, e em Provérbios àquele que corre atrás de ajuntar riquezas.

Isso está em pleno acordo com o que Jesus está ensinando aqui, pois da mesma forma que aqueles que buscam tesouros celestiais têm olhos bons, iluminados pela Palavra, aqueles que buscam tesouros terrenos têm olhos maus, pois acabam pecando por manter os olhos nas riquezas. Eles demonstram que estão comprometidos apenas com esse mundo em trevas e agem de acordo com suas leis. A figura aqui é que se os olhos são trevas, todo o corpo está mergulhado na treva moral. Não é sem razão que João, ao falar a respeito do julgamento final, afirmou que o veredito é este: “Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más” (Jo 3.19).

Diferente dos servos de Deus que tem a promessa do galardão nos céus, os que buscam tesouros terrenos e mantem os olhos neles já receberam sua recompensa, como foi o caso dos fariseus ao receber o louvor dos homens (Mt 5.2,5,16).

Por fim o Senhor faz uma dura afirmação: “Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grande trevas serão!” (Mt 6.23b). A declaração ganha um tom irônico, pois aqueles que estão nas trevas não conseguem sequer reconhecer isso e acham que têm luz. Sendo assim, se essa luz é na verdade trevas, isso se torna ainda mais terrível, tal como a afirmação de Jesus aos fariseus: “Sê fosseis cegos, não teríeis pecado algum; mas, porque agora dizeis: Nós vemos, subsiste o vosso pecado” (Jo 9.41).

Seus olhos são maus ou bons? Eles estão voltados para os tesouros da terra ou para os tesouros do céu? A resposta a essa pergunta demonstrará se você está “olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus” ou se tem se deixado seduzir pelas coisas desse mundo.

Milton C. J. Junior


[1] William Hendriksen, Comentário de Mateus, vol. 1, p. 488 – Ed. Cultura Cristã

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Autoridade, autoritários e anarquistas

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As autoridades procedem de Deus. Sim, é verdade, está nas Escrituras Sagradas. Paulo afirmou categoricamente aos Romanos que “não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas” (Rm 13.1). A ordem da criação aponta para esta sublime realidade.

Digo que é uma realidade sublime “porque o Senhor é o Deus supremo e o grande Rei acima de todos os deuses” (Sl 95.3) além de ser o Soberano Senhor que criou todas as coisas (At 4.24; Ne 9.6). Ele é a Suprema autoridade e, na criação, estabeleceu todas as coisas sob a estrutura de autoridade. Deus, o Soberano, criou Adão e de Adão criou Eva, para ser sua auxiliadora idônea (Gn 2.18). O homem se submeteria a Deus e a mulher ao homem e a Deus.

É claro que essa submissão não implica inferioridade. Paulo explica bem esse ponto quando diz aos coríntios: “Quero, entretanto, que saibais ser Cristo o cabeça de todo homem, e o homem, o cabeça da mulher, e Deus, o cabeça de Cristo” (1Co 11.3). Dizer que a mulher é inferior por ser submissa ao homem seria o mesmo que dizer que Cristo é inferior ao Pai, o que constitui uma heresia.

O mesmo princípio de autoridade é visto nos pais, em relação aos filhos, nos presbíteros em relação às ovelhas e nos governos em relação ao povo, por exemplo. Por essa razão os Puritanos entendiam que a quebra do 5º mandamento não se limitava à desobediência aos pais. Na resposta à pergunta 124 do Catecismo Maior de Westminster lemos que “as palavras ‘pai’ e ‘mãe’, no quinto mandamento, abrangem não somente os próprios pais, mas também todos os superiores em idade e dons, e especialmente todos aqueles que, por ordenação de Deus, estão colocados sobre nós em autoridade, quer na família, quer na Igreja, quer no Estado”.

Algo deve ser destacado aqui. A posição bíblica de autoridade implica no cuidado para com aqueles que estão sob autoridade. Deus, o Soberano Senhor, proveu para o homem tudo o que lhe era necessário por ocasião da criação e o homem deveria refletir esse cuidado para com a mulher (e futuramente filhos) instruindo-a a respeito da vontade do Senhor e sendo o mantenedor de sua casa.

Com a entrada do pecado veio a corrupção da estrutura de autoridade. É interessante notar algo na tentação. Satanás se dirige primeiramente à mulher, que deveria ser submissa ao homem e à Deus, e propõe a anarquia. Pense um pouco sobre a afirmação da serpente: Deus proibiu comer o fruto, pois sabia que eles seriam como ele, conhecedores do bem e do mal (Cf. Gn 3.1-5). Segundo as palavras de Satanás, não haveria mais submissão, todos estariam em pé de igualdade, inclusive em relação a Deus. Daí o Senhor, ao punir o pecado, lembrar que ela continuaria submissa ao marido que continuaria a governa-la (Gn 3.16). O grande problema é que, em pecado e rebelião contra Deus, a submissão seria bastante difícil e traria muitos conflitos.

Cristãos devem lutar contra o ímpeto anarquista. Esposas devem submeter-se ao marido, como a igreja é submissa a Cristo. O movimento feminista e sua ânsia de “empoderar” as mulheres não difere em nada de Satanás que propôs o “empoderamento” de Eva a fim de ser como Deus. Irmãs, cuidem para não sucumbir à voz do tentador que continua a ecoar desde o Éden. Filhos devem obedecer a seus pais, sabendo que não são seus iguais. Ovelhas devem dar ouvidos a seus pastores, como instrui o escritor aos Hebreus: “Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isso com alegria e não gemendo; porque isso não aproveita a vós outros” (Hb 13.17). Cidadãos devem respeitar seus governantes e orar por eles (Rm 13.1; Tt 3.1; 1Pe 2.13; 1Tm 2.1-2) a fim de honrarem a Deus.

É claro que há limites para a submissão às autoridades. Se formos ordenados a pecar contra Deus, importa obedecer a Deus que aos homens (At 5.29) e isso nos leva ao outro lado da moeda, ou melhor, da distorção da estrutura de autoridade, como você notará.

Se a anarquia é pecaminosa, pois anseia a ausência de autoridade, estabelecida por Deus na criação, a tirania, que é o extrapolar da autoridade, colocando a vontade do governante acima das leis, não é menos pecaminosa. Isso pode ser visto já em Gênesis quando Lameque chama suas esposas e as amedronta ao se gabar de sua violência contra um homem que o havia ferido e um rapaz que tinha esbarrado nele (Gn 4.23).

Governar infligindo medo é tirania e muitos governantes, pastores e pais acabam pecando desta forma. Mas outra forma mais sútil de tirania, pois para muitos é expressão da autoridade bíblica, é quando se exige obediência cega. Esse tipo de obediência é visto na história quando governantes, por mais corruptos e injustos que sejam, são venerados por seus súditos. Isso pode acontecer na igreja, daí a exortação de Pedro para que os presbíteros pastoreiem não como dominadores do rebanho, mas como modelos (1Pe 5.3). Isso acontece em famílias, quando os pais dão determinadas ordens aos filhos sem explicar as razões para tal. Isso é tirania.

Cristãos podem e devem evitar agir assim pois estão unidos a Cristo e são habilitados a cumprir o que ele ordena. Mais ainda, porque têm nele o grande exemplo de liderança.

Jesus, o único que poderia exigir obediência sem explicar as razões, disse a seus discípulos: “Já não vos chamo servos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer”. Com isso Jesus não estava propondo igualdade. Ele afirmou isso após condicionar a amizade à obediência dizendo “vós sois meus amigos, se fazeis o que eu vos mando” (Jo 15.14,15). Ele também havia dito: “Vós me chamais o Mestre e o Senhor e dizeis bem; porque eu o sou” (Jo 13.13).

Jesus se disse amigo, pois para haver amizade é preciso se dar a conhecer, é preciso revelação. E ele revelava a seus discípulos a vontade de seu Pai. Por saber as razões para a obediência é que João pôde escrever que “os mandamentos não são penosos” (1Jo 5.3). Jesus não é um tirano que exige obediência cega, pais, governantes e pastores também não podem ser. Jesus também serve e cuida dos que estão sob sua autoridade e demonstrou isso na prática ao lavar os pés aos discípulos, mesmo assentindo que ele era o Mestre e o Senhor (Jo 13.14).

Se você está em posição de autoridade, mire-se em seu Senhor. Se você está em posição de submissão, mire-se nele também, pois em submissão ao Pai “a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz” (Fp 2.8). Com ele aprendemos e nele somos capacitados a lidar com a autoridade, não sendo anarquistas nem tampouco tiranos.

Milton C. J. Junior

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Cuidado com a “piedade” impiedosa

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Se você observar atentamente o sermão do monte verá que o Senhor Jesus criticou duramente os fariseus porque davam esmolas, oravam e faziam jejum, e ordenou a seus discípulos que fossem diferentes deles. Os discípulos deveriam dar esmolas, orar e fazer jejum!

Sim, é isso mesmo que você está lendo e isso significa que a diferença entre os discípulos de Jesus e os fariseus não está, necessariamente, nas ações, mas no motivo pelo qual alguém faz o que faz. Relembre comigo. Jesus chamou os fariseus de hipócritas, pois ao fazer todas essas coisas eles não tinham como objetivo a glória de Deus, mas a glória de si mesmos. Eles queriam ser “glorificados pelos homens”, “vistos dos homens” e “parecer aos homens” (Mt 6.2,5,16). Os discípulos deveriam ter outra motivação, sua luz deveria brilhar diante dos homens para que estes, vendo suas boas obras, glorificassem o Pai que está nos céus (Mt 5.16). Por isso mesmo Jesus afirmou que não veio revogar a Lei, mas que a justiça de seus discípulos deveria exceder em muito a dos escribas e fariseus (Mt 5.20).

Diante disso, fica fácil entender por que Agostinho, sistematizando o ensino bíblico, afirmou que o homem, após a queda e sem a redenção em Cristo, é incapaz de não pecar. Suas melhores ações constituem pecado pois, em última instância, ele não as realiza para a glória de Deus, além de não ter um Mediador para interceder por ele.

Mas há mais a se pensar diante dessa realidade. A simples adequação aos preceitos da Lei não é sinal de uma vida piedosa diante de Deus. Isso fica claro quando vemos Deus rejeitando o culto de Israel em Isaías 1. A despeito de o povo oferecer sacrifícios (Is 1.11), o que era requerido pelo próprio Deus, o coração estava enfermo, longe do Senhor (Is 1.5) e, por isso, suas ofertas eram vãs (1.13). Amós, contemporâneo de Isaías, foi usado por Deus para anunciar que o povo cumpria os ritos cúlticos porque gostava e não por causa do Senhor, o que era evidenciado por seu pecado. O que os judeus ouviram, de uma forma bastante irônica, foi:

“Vão a Betel e ponham-se a pecar; vão a Gilgal e queimem ainda mais. Ofereçam seus sacrifícios cada manhã, o seu dízimo no terceiro dia. Queimem pão fermentado como oferta de gratidão e proclamem em toda parte suas ofertas voluntárias; anunciem-nas, israelitas, pois é isso que vocês gostam de fazer (Am 4.4-5).

Deus quer o nosso culto, a nossa adoração, mas, antes de tudo, quer o nosso coração. Não adianta render louvores ao Senhor estando com o coração distante dele. Essa é a atitude que foi reprovada nos fariseus (Mt 15.8).

Guardemos o nosso coração de fazer coisas certas por razões erradas. Infelizmente, muito do que tem sido ensinado no meio evangélico brasileiro não tem a ver com a glória de Deus, mas com o bem-estar dos homens. Li, certa vez, um escritor afirmando que os crentes deveriam “liberar” perdão, pois quem guarda mágoa no coração acaba por destruir a si mesmo. O problema aqui é que, quando a motivação de alguém para perdoar é “não destruir a si mesmo”, a razão é egoísta e até esse tipo de perdão é pecaminoso. O pecado é abominável não por causa das consequências em nós, mas por causa da afronta a um Deus Santo. Devemos perdoar porque fomos perdoados pelo Senhor e ele ordena que façamos o mesmo em relação ao próximo. A glória de Deus é o alvo, não o nosso bem-estar.

De igual forma, uma pessoa pode não se vingar, o que é um mandamento bíblico (Rm 12.19), e ainda assim pecar, por ter como motivação demonstrar que está acima daquele que pecou contra ela, quebrando o mandamento de não pensar de si mesma além do que convém (Rm 12.3); um pastor pode se esmerar no estudo e pecar na entrega do sermão por ter como motivação o ser bem visto em vez de edificar, exortar e consolar a igreja (1Co 14.3); pais podem se dedicar ao ensino e orientação dos filhos e ter como motivação o pecado do orgulho de ser reconhecido e glorificado pelo seu bom trabalho; enfim, podemos fazer muitas coisas biblicamente corretas e ainda assim pecar profundamente contra o nosso Deus.

Um indício de que nossas intenções ao cumprir a Lei são pecaminosas é a constante comparação com outros irmãos e o julgamento daqueles que ainda não são tão “santos” como nós.

Por tudo isso, devemos vigiar nossas intenções, pedir constantemente que o Senhor sonde o nosso coração, prove nossos pensamentos e verifique se há em nós caminho mau e nos guie pelo caminho eterno (Sl 139.23-24), a fim de que ele receba a glória devida a seu nome quando, no poder do Espírito Santo, colocamos em prática os preceitos do nosso Redentor.

Milton  C. J. Junior