Se você observar atentamente o sermão do monte verá que o Senhor Jesus criticou duramente os fariseus porque davam esmolas, oravam e faziam jejum, e ordenou a seus discípulos que fossem diferentes deles. Os discípulos deveriam dar esmolas, orar e fazer jejum!
Sim, é isso mesmo que você está lendo e isso significa que a diferença entre os discípulos de Jesus e os fariseus não está, necessariamente, nas ações, mas no motivo pelo qual alguém faz o que faz. Relembre comigo. Jesus chamou os fariseus de hipócritas, pois ao fazer todas essas coisas eles não tinham como objetivo a glória de Deus, mas a glória de si mesmos. Eles queriam ser “glorificados pelos homens”, “vistos dos homens” e “parecer aos homens” (Mt 6.2,5,16). Os discípulos deveriam ter outra motivação, sua luz deveria brilhar diante dos homens para que estes, vendo suas boas obras, glorificassem o Pai que está nos céus (Mt 5.16). Por isso mesmo Jesus afirmou que não veio revogar a Lei, mas que a justiça de seus discípulos deveria exceder em muito a dos escribas e fariseus (Mt 5.20).
Diante disso, fica fácil entender por que Agostinho, sistematizando o ensino bíblico, afirmou que o homem, após a queda e sem a redenção em Cristo, é incapaz de não pecar. Suas melhores ações constituem pecado pois, em última instância, ele não as realiza para a glória de Deus, além de não ter um Mediador para interceder por ele.
Mas há mais a se pensar diante dessa realidade. A simples adequação aos preceitos da Lei não é sinal de uma vida piedosa diante de Deus. Isso fica claro quando vemos Deus rejeitando o culto de Israel em Isaías 1. A despeito de o povo oferecer sacrifícios (Is 1.11), o que era requerido pelo próprio Deus, o coração estava enfermo, longe do Senhor (Is 1.5) e, por isso, suas ofertas eram vãs (1.13). Amós, contemporâneo de Isaías, foi usado por Deus para anunciar que o povo cumpria os ritos cúlticos porque gostava e não por causa do Senhor, o que era evidenciado por seu pecado. O que os judeus ouviram, de uma forma bastante irônica, foi:
“Vão a Betel e ponham-se a pecar; vão a Gilgal e queimem ainda mais. Ofereçam seus sacrifícios cada manhã, o seu dízimo no terceiro dia. Queimem pão fermentado como oferta de gratidão e proclamem em toda parte suas ofertas voluntárias; anunciem-nas, israelitas, pois é isso que vocês gostam de fazer” (Am 4.4-5).
Deus quer o nosso culto, a nossa adoração, mas, antes de tudo, quer o nosso coração. Não adianta render louvores ao Senhor estando com o coração distante dele. Essa é a atitude que foi reprovada nos fariseus (Mt 15.8).
Guardemos o nosso coração de fazer coisas certas por razões erradas. Infelizmente, muito do que tem sido ensinado no meio evangélico brasileiro não tem a ver com a glória de Deus, mas com o bem-estar dos homens. Li, certa vez, um escritor afirmando que os crentes deveriam “liberar” perdão, pois quem guarda mágoa no coração acaba por destruir a si mesmo. O problema aqui é que, quando a motivação de alguém para perdoar é “não destruir a si mesmo”, a razão é egoísta e até esse tipo de perdão é pecaminoso. O pecado é abominável não por causa das consequências em nós, mas por causa da afronta a um Deus Santo. Devemos perdoar porque fomos perdoados pelo Senhor e ele ordena que façamos o mesmo em relação ao próximo. A glória de Deus é o alvo, não o nosso bem-estar.
De igual forma, uma pessoa pode não se vingar, o que é um mandamento bíblico (Rm 12.19), e ainda assim pecar, por ter como motivação demonstrar que está acima daquele que pecou contra ela, quebrando o mandamento de não pensar de si mesma além do que convém (Rm 12.3); um pastor pode se esmerar no estudo e pecar na entrega do sermão por ter como motivação o ser bem visto em vez de edificar, exortar e consolar a igreja (1Co 14.3); pais podem se dedicar ao ensino e orientação dos filhos e ter como motivação o pecado do orgulho de ser reconhecido e glorificado pelo seu bom trabalho; enfim, podemos fazer muitas coisas biblicamente corretas e ainda assim pecar profundamente contra o nosso Deus.
Um indício de que nossas intenções ao cumprir a Lei são pecaminosas é a constante comparação com outros irmãos e o julgamento daqueles que ainda não são tão “santos” como nós.
Por tudo isso, devemos vigiar nossas intenções, pedir constantemente que o Senhor sonde o nosso coração, prove nossos pensamentos e verifique se há em nós caminho mau e nos guie pelo caminho eterno (Sl 139.23-24), a fim de que ele receba a glória devida a seu nome quando, no poder do Espírito Santo, colocamos em prática os preceitos do nosso Redentor.
Milton C. J. Junior
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