terça-feira, 9 de junho de 2020

A importância da teologia no aconselhamento


Certa vez, alguns dias após uma aula que ministrei em um treinamento de aconselhamento bíblico, fui indagado por um irmão a respeito de uma afirmação que eu havia feito na classe. Eu havia ensinado que incorremos em idolatria todas as vezes que pecamos para conseguir o que queremos ou quando pecamos porque não conseguimos o que queremos. Essas atitudes (pecados) deixariam claro que o coração está sendo governado por um (ou mais) ídolo(s) e não pelo Senhor.

Para exemplificar, falei sobre a história de Jacó. Desde que viu a Raquel pela primeira vez ele havia se apaixonado e trabalhou sete anos para o seu sogro, a fim de casar com a moça. Labão, aproveitando-se da situação, conduziu a filha mais velha, Lia, para o casamento e eles coabitaram, fato que só foi notado por Jacó no dia seguinte, pela manhã. Jacó, que já estava casado, topou trabalhar mais sete anos e casou-se também com Raquel, estabelecendo uma bigamia e incorrendo em adultério, o que é pecado (Gn 29.1-30). Com isso, eu disse que podíamos perceber que o amor de Jacó por Raquel dominava o seu coração e ele agia em função disso e não segundo a Lei do Senhor.

A indagação foi, então, a respeito da minha afirmação de que Jacó havia adulterado. O irmão entendia que não havia adultério naquela relação, pois era um período pré lei e aquele casamento era legítimo na cultura em que vivia Jacó. Minha resposta foi que tudo dependeria da forma como se compreende o Pacto de Deus com o homem e que a afirmação dele tinha como pressuposto a ideia de que antes do Sinai não havia ainda os dez mandamentos, incluindo o sétimo, não adulterarás.

Antes de explicar o que está por trás da minha afirmação, preciso mencionar algo importante. Muitas pessoas, ao pensar em aconselhamento bíblico, entendem que ele consiste apenas em atirar alguns versículos isolados, geralmente fora do contexto, na cabeça das pessoas e as exortarem a se adequar ao que o texto está dizendo. Daí entenderem que é necessário o encaminhamento a profissionais, especialistas no cuidado da alma, que estudaram e sabem do que estão falando. Entretanto, como afima Kellemen,

“quando pessoas [...] pedem ajuda e esperança, a igreja não tem que se sentir inferior e encaminhá-las a ‘especialistas de fora’. Nós não temos de borrifar uns poucos princípios cristãos à sabedoria mundana. Nós não temos que seguir a rasa abordagem de concordância de um problema, um versículo, uma resposta[1].

Longe disso! Em vez disso, John Babler aponta o caminho correto:

“Adquirir uma perspectiva bíblica equipa o conselheiro para a tarefa de corrigir o que foi arruinado pela busca pecaminosa de uma sabedoria inadequada. O conselheiro deve trabalhar diligentemente na exegese e na compreensão das Escrituras. À medida que as Escrituras revelam o caráter de Cristo, homens e mulheres podem conhecer a Deus. Uma pessoa nunca mais será a mesma depois de ter conhecido a Deus”[2].

Conselheiros precisam estudar teologia, pois o conselho de Deus emana da sã doutrina expressa nas páginas da Escritura Sagrada que, nas palavras de Paulo, “é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2Tm 3.16-17). “O uso superficial, não-teológico da Bíblia confunde e desencoraja os consulentes (assim como representam mal Deus pela má compreensão do ensino da Bíblia)”[3].

Volto, então, à minha afirmação a respeito do adultério de Jacó. Como pastor presbiteriano, subscrevo as Escrituras Sagradas do Velho e Novo Testamento como única regra de fé e prática, bem como a Confissão de Westminster e seus Catecismos Maior e Breve como sistema expositivo de doutrina. Este é meu norte teológico.

Como afirmei ao irmão que me indagou, esta é uma questão diretamente ligada à doutrina do Pacto. Creio que Deus estabeleceu com Adão, e nele com sua posteridade, o que é chamado de Pacto de Obras em que a vida lhe foi prometida “sob a condição de perfeita obediência pessoal” (CFW VII.II). Onde estava o padrão para a obediência de Adão? O Catecismo Maior responde na “Pergunta 92. O que Deus revelou primeiramente ao homens como regra de sua obediência? Resposta: A regra de obediência revelada a Adão, no estado de inocência, e a todo gênero humano nele, além do mandamento especial de não comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, foi a lei moral”. Para não restar dúvidas de que o ensino confessional aponta para a Lei já presente no Éden, basta olhar para a resposta à “Pergunta 98. Onde se acha a lei moral resumidamente compreendida? Resposta: A lei moral acha-se resumidamente compreendida nos Dez Mandamentos, que foram dados pela voz de Deus no monte Sinai [...]”.

Talvez aqui, aqueles que não estão acostumados com o ensino da Confissão de Fé de Westminster perguntem: E onde está isso na Bíblia? Pergunta importante que, creio eu, seja fácil de responder.

Ao criar o homem o Senhor o fez segundo a sua própria imagem e semelhança (Gn 1.26-28). Isso significa que o homem foi criado santo, como Deus é Santo. Sendo a Lei a expressão do caráter de Deus ela também não poderia ser outra coisa, senão o que afirma Paulo: “Por conseguinte, a lei é santa; e o mandamento, santo, e justo, e bom (Rm 7.12). Nesta mesma epístola aos romanos Paulo afirma que “quando os gentios, que não têm lei, procedem, por natureza, de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes mostram a norma da lei gravada no coração (Rm 2.13-14). Ou seja, ainda que Paulo esteja tratando do cumprimento externo da lei, ele afirma que a norma da lei está gravada no coração do homem e isso decorre de, mesmo caído, ele ainda ser imagem e semelhança de Deus.

Nos Dez Mandamentos temos a expressão da Lei após o pecado, que consiste em mostrar ao homem qual é o padrão estabelecido no início à Adão. Tome como exemplo o sexto mandamento, não matarás. Onde você o encontra no Éden? Ele pode ser visto de forma positiva na ordem dada ao homem para que trabalhasse no Jardim. Como você pode ter certeza disso? Basta olhar a aplicação que Paulo faz do mandamento para uma vida de santidade, ao afirmar: Aquele que furtava não furte mais; antes, trabalhe, fazendo com as próprias mãos o que é bom, para que tenha com que acudir ao necessitado” (Ef 4.28). O que você pode perceber é que para cumprir o sexto mandamento não basta deixar de roubar. O contrário de roubar não é deixar de roubar, mas trabalhar e doar. O mandamento é dado de forma negativa no Sinai, porque deixou de ser praticado de forma positiva, em decorrência da queda do homem.

Com respeito ao adultério, a Lei está da mesma forma presente no Éden, por ocasião da criação. Deus faz um homem para uma mulher. Aqui está o estabelecimento do casamento heterossexual, monogâmico e perene. Qualquer atitude fora desse padrão constitui-se pecado, mesmo antes do Sinai. Atente à narrativa de Gênesis e você perceberá que a primeira quebra do casamento monogâmico acontece com Lameque, um descendente de Caim que se orgulha de ser pior que seu antepassado (Gn 4.19-24). É interessante notar que quando os fariseus questionam a Jesus a respeito do divórcio por qualquer razão, curiosamente a Lei citada por Jesus não foi a dada por Moisés no Sinai, mas a que foi dada por ocasião da criação: "Não tendes lido que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher e que disse: Por esta causa deixará o homem pai e mãe e se unirá a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne?" (Mt 19.4.5, cf Gn2.24).

Avance na leitura de Gênesis e veja o que aconteceu nos dias de Noé. Por causa da maldade que aumentou ao extremo o Senhor resolveu dar cabo de toda carne, mas preservou, pela graça, a Noé e sua família. Após sair da Arca, Deus restabeleceu o Pacto com Noé e ele ouviu as mesmas palavras que Adão ouvira na criação, “sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra” (Gn 9.1). Não é estranho, então, o fato de Deus ter preservado um homem que tinha um casamento conforme a lei dada na criação, ou seja, que tinha somente uma esposa, a despeito de a poligamia já ser algo comum nos tempos de Noé.

Sabemos que, culturalmente, a bigamia era praticada nos tempos do Antigo Testamento, mas isso não prova que ela era permitida, antes, aponta para o fato inconteste de que os homens quebram a Lei do Senhor desde a queda de Adão. Isso fica ainda mais claro quando Jesus afirma que o simples olhar de forma impura para uma mulher já é quebra do sétimo mandamento. Daí os mandamentos dados no Sinai apontarem para o padrão estabelecido por ocasião da criação, no Pacto feito com Adão e seus descendentes.

Quando um conselheiro está diante de um caso de adultério, ele não pode simplesmente dizer: pare de adulterar! Junto com isso ele precisa demonstrar o padrão estabelecido por Deus, em acordo com o seu caráter Santo e a impossibilidade de o homem, sem Cristo, se adequar a esse padrão. Desta forma, o aconselhado será direcionado ao Senhor Jesus Cristo, o único que cumpriu perfeitamente a todos os mandamentos. Esta é a beleza expressa na doutrina do segundo Pacto, o Pacto da graça, que conforme o ensino do Catecismo Maior “foi feito com Cristo, como o segundo Adão; e nele, com todos os eleitos, como sua semente” (Pergunta 31).

Foi esta graça que alcançou a Noé e o capacitou a adequar-se ao mandamento de não adulterar. Seus aconselhados precisam entender que esta graça está disponível a todos os que creem em Cristo, pois como ensina a pergunta 32 do Catecismo Maior,

“a graça de Deus é manifestada no segundo pacto em ele, livremente, prover e oferecer aos pecadores um Mediador e a vida e a salvação por ele; exigindo a fé como condição de interessa-los nele, promete e dá o Espírito santo a todos os seus eleitos, para neles operar essa fé, com todas as demais graças salvadoras, e para os habilitar a praticar toda a santa obediência, como evidência da sinceridade da sua fé e gratidão para com Deus, e como o caminho que Deus lhes designou para a salvação”.

Meus irmãos, não se aventurem a aconselhar uns aos outros sem antes dedicar-se a um estudo sério da Palavra de Deus. Não seja um salpicador de versículos, mas alguém que busca compreender os textos dentro de seus devidos contextos a fim de aplica-los com sabedoria às circunstâncias enfrentadas por aqueles que sofrem e que pedem ajuda. Aconselhamento bíblico implica conhecimento teológico. Procure, então, “apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (2Tm 2.15).

Milton C. J. Junior


[1] Robert Kellemen. Aconselhamento segundo o Evangelho. p. 41 – Ed. Cultura Cristã

[2] Jonn Babler (editor). Fundamentos teológicos do aconselhamento bíblico. p. 98 – Ed. Nutra

[3] Jay Adams. Teologia do aconselhamento cristão. p. 30 – Ed. Peregrino

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Entendimento, raiz das ações e sentimentos

Imagem relacionada

João Batista apareceu pregando arrependimento e batizando no Jordão, para onde afluíam muitos a fim de serem batizados por ele. Sua pregação era dura para com aqueles que iam ter com ele. João exortava, chamando-os de raça de víboras, afirmando que o fato de serem batizados não os livraria da ira vindoura, visto que eles não produziam frutos de arrependimento (Mt 3.1-9).

Suas ações estavam pautadas na certeza, por meio das Escrituras no Antigo Testamento, de que ele era aquele que viria à frente do Messias, preparando-lhe o caminho. Ao vir, o Messias derramaria o seu juízo, como ele afirma: “Já está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore, pois, que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo” (Mt 3.10). O Messias, dizia João Batista, batizaria com o Espírito Santo e com fogo. “A sua pá, ele a tem na mão e limpará completamente a sua eira; recolherá o seu trigo no celeiro, mas queimará a palha em fogo inextinguível” (Mt 3.10-12). Quando João viu a Jesus, afirmou: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29).

Todas as ações e sentimentos de João Batista tinham como raiz o seu entendimento daquilo que ele lia nos profetas. Sua convicção norteava a sua vida.

Não somente ele, mas também os demais judeus pensavam que na vinda do Messias o reino de Israel seria restaurado. Este entendimento fez com que os discípulos Tiago e João pedissem a Jesus para se assentarem, um à direita, outro à esquerda, quando ele estivesse em sua glória (Mc 10.35-37).

Acontece que, diferente do que eles esperavam, as coisas estavam acontecendo de outro modo. João Batista foi preso injustamente e isso abalou o seu entendimento acerca do Messias. A pergunta que ele mandou seus discípulos fazerem a Jesus deixa isso claro: “És tu aquele que estava para vir ou havemos de esperar outro?” (Mt 11.2-3). De igual forma, os discípulos, após a crucificação do Senhor, estavam tristes e sem esperança. O relato acerca dos discípulos no caminho de Emaús demonstra claramente esta verdade (Lc 24.13-24).

Tanto a dúvida de João Batista como a tristeza dos discípulos de Emaús têm sua raiz no que eles estão entendendo naquele momento: Jesus não é o Messias, estávamos enganados. Era este falso entendimento que governava os seus corações, levando-os a agir e a pensar de forma errada.

Provérbios 23.6-7 adverte a não comer o pão do invejoso, “porque como imagina em sua alma, assim ele é”. A ideia é que o entendimento que o invejoso tem da situação em seu coração leva-o a agir de determinada maneira, daí o texto continuar dizendo: “ele te diz: Come e bebe; mas o seu coração não está contigo” ou, como traduz a NAA, “mas não está sendo sincero”. O que você entende a respeito de Deus determinará a forma como você olhará para a vida. O invejoso é aquele que quebra o 10º mandamento, ele cobiça, pois não confia no Deus que cuida dele.

Assim é também comigo e com você. Todas as nossas tristezas, ansiedades, ações erradas, são fruto de expectativas erradas. Expectativas erradas são fruto do desconhecimento ou do entendimento errado das verdades da Escritura Sagrada.

As igrejas estão repletas de crentes frustrados com a vida, pois esperavam que em Cristo seus problemas acabariam e isso não aconteceu. Aqueles que abraçam, por exemplo, a teologia da prosperidade, que ensina que crentes não adoecem, não têm problemas financeiros, nem passam por aflições, fatalmente irão se decepcionar em algum momento de sua caminhada.

É preciso, com o auxílio do Espírito do Senhor, estudar para conhecer corretamente a Palavra do Senhor. É ela que santifica a nossa vida, pensamentos e ações. Aqueles que estão em crise precisam ser reorientados a fim de olhar a vida pela perspectiva do Senhor. Foi isso que Jesus fez com João Batista e com os discípulos do caminho de Emaús.

Após ouvir a pergunta de João, Jesus respondeu: “Ide e anunciai a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado o evangelho. E bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço” (Mt 11.4-6). Por que Jesus responde desta maneira? Se você olhar os textos de Isaías 29.18-19; 35.5-6; 26.19 e 61.1, verá que estava profetizado que o Messias faria tudo isso. Era como se Jesus estivesse dizendo: Não se preocupe, você não está enganado a respeito de mim. Tudo o que eu faço está registrado nos profetas. Viria ainda o dia do juízo, mas antes, o Senhor precisava redimir o seu povo. Aos discípulos de Emaús o Senhor explicou tudo o que os profetas disseram a respeito de sua morte e ressurreição (Lc 24.25-27). Aos discípulos, que mesmo após a ressurreição insistiam em querer saber acerca da restauração do reino, Jesus afirmou que não lhes competia saber a respeito de tempos e épocas, mas que eles receberiam o poder do Espírito Santo, tal qual profetizou Joel (At 1.6-8; Jl 2.28-32).

O que precisamos a fim de pensar e agir corretamente é entender de forma correta aquilo que o Senhor nos revelou. Temos o Espírito Santo, Mestre por excelência, que nos ilumina e nos conduz à verdade.

Quanto mais você conhecer o seu Senhor, menos expectativas falsas terá. Quanto menos expectativas falsas, menos ações erradas, menos emoções pecaminosas. Você aprenderá, dia a dia, a responder às circunstâncias de forma piedosa, honrando aquele que está, soberanamente, no controle de todas as coisas, incluindo o que ocorre em sua vida.

Milton C. J. Junior

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Cuidado com esse tempo de Crenteflix

Semana passada tive o privilégio de participar de uma Live do Blog Inconformados cujo tema foi “A ‘igreja online’ e o corpo de Cristo”. Dentre as perguntas que tive de responder, uma estava sendo alvo de algumas ponderações minhas já há alguns dias. A pergunta era se com toda esta situação, não há o risco de muitos crentes esfriarem ou mesmo não voltarem a congregar, preferindo as transmissões online.

Este é um assunto importante, creio eu. Alguns têm mesmo gostado da atual situação, achando que é possível manter uma igreja “online”. Entretanto, levando em conta o que a Escritura ensina a respeito da igreja, percebemos que isso é impossível. Ser parte da Igreja de Cristo implica comunhão, implica estar juntos (At 2.44), sobretudo no ajuntamento solene convocado por Deus no dia do Senhor, quando a igreja reunida adora o seu majestoso Redentor. Nenhuma conexão via fibra ótica substituirá o ajuntamento dos crentes, ordenado pela Escritura.

Nestes dias de pandemia muitas igrejas locais estão se beneficiando da tecnologia a fim de levar aos seus membros alimento. É claro que isso não vai substituir as reuniões presenciais, mas é um meio de suprir uma demanda pontual. Podemos mesmo agradecer a Deus pela bênção da tecnologia, sem esquecer de vigiar para que esta bênção não se transforme em maldição. Infelizmente, pecadores que somos, conseguimos transformar coisas boas em pedras de tropeço para a vida espiritual.

Creio firmemente que todas as circunstâncias pelas quais passamos são usadas pelo Senhor a fim de revelar o nosso coração. A forma como reagimos às circunstâncias pode ser piedosa ou pecaminosa. Pense, por exemplo, na vida de Jó. A Bíblia relata que ele perdeu seus bens e seus filhos. O texto regista a reação de Jó diante de toda essa tragédia: “Então, Jó se levantou, rasgou o seu manto, rapou a cabeça e lançou-se em terra e adorou; e disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei; o Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor! Em tudo isto Jó não pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma” (Jó 1.20-22).

Após isto ele perdeu também a saúde quando foi ferido por Satanás e o texto registra também a reação de sua esposa diante de toda a situação. Ela igualmente perdeu os filhos, os bens e, apesar de não ter perdido a saúde, perdeu o marido sadio. Sua situação era tão complicada quanto a de seu marido e em meio ao sofrimento ela disse a Jó: “Ainda conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre”, sendo repreendida por ele que afirmou: “Falas como qualquer doida; temos recebido o bem de Deus e não receberíamos também o mal?” (Jó 2.7-10).

A situação era difícil, mas não foi a situação que causou a reação piedosa de Jó e pecaminosa de sua esposa. Cada um reagiu conforme aquilo que já estava em seu coração, sendo a circunstância apenas o meio usado pelo Senhor para revelar os corações.

Dito isto, nestes tempos de pandemia, com as transmissões online, muitos crentes estão demonstrando que seu compromisso não é com sua igreja local. Eles até iam às suas igrejas antes da pandemia, mas ao que parece, somente por falta de opção e porque não havia o que justificasse estarem em suas casas assistindo cultos, afinal de contas, isso é coisa de desigrejado! Agora, com o isolamento, há uma “boa” desculpa para ficar em casa e, do conforto de seus sofás, eles têm um leque de opções na Crenteflix, uma vez que o número de igrejas que estão transmitindo mensagens pela internet subiu exponencialmente.

Mesmo entre aqueles que gostavam de estar em suas igrejas locais, há um perigo sutil e uma atitude que acaba por revelar desprezo por suas igrejas locais. Explico! O crescimento no número de transmissões ocorreu porque muitos Conselhos, pastores e líderes de igrejas que nunca pensaram sequer em chegar perto de uma câmera e criar conteúdo para a internet, começaram a ficar preocupados com suas ovelhas e estão tentando suprir os irmãos, pelo menos com mensagens e estudos.

Infelizmente, como estão em suas casas, muitos têm desprezado os esforços de seus líderes e buscado no catálogo do Crenteflix os pregadores mais famosos, mais eloquentes, indicando, talvez, sua insatisfação com os líderes que o Senhor colocou para cuidar de suas vidas na igreja local. Neste caso, parecem estar na igreja somente por falta de opção e não demonstram estar gratos pelo Senhor, em sua providência, os colocar naquela determinada igreja.

Caso, após a pandemia, estes irmãos continuarem em suas casas assistindo as mensagens online, ou esfriarem na fé, não terá sido por culpa da pandemia, nem do isolamento social. Esta circunstância terá servido apenas para revelar corações insatisfeitos com a igreja local.

Não me entenda mal, não sou contra a tecnologia. Há anos mantenho um blog e as mensagens pregadas em nossa igreja semanalmente são postadas em nosso canal no YouTube. Me beneficio bastante de boas exposições de pastores sérios de igrejas irmãs e sempre recomendo bons canais, tanto para membros de nossa igreja, quanto para pessoas que eu aconselho, como ferramentas de edificação para o corpo de Cristo. Meu ponto é simplesmente o desprezo pelos líderes da igreja local.

O perigo é que se o crente pode ter, no conforto de sua casa, uma aula de escola dominical ministrada por um pastor que é muito requisitado para congressos, e ter na mensagem da noite outro tão requisitado como o primeiro, para que vai querer ouvir o pastor de sua igreja local?

Como afirma Michael Horton: “Talvez você tenha ouvido e orado as Escrituras com a sua família a cada dia, aprendendo em casa e na igreja as grandes verdades da Escritura por meio de catecismo. Porém, na cultura evangélica do novo e da novidade, nada disso conta. O que realmente importa é aquele evento espiritual extraordinário”[1].

Pensando nisso, a infinidade de conteúdo disponível hoje pode levar os crentes a tentar emular seus próprios “eventos espirituais”, com os pregadores que mais lhes agradam, totalmente desvinculados de sua igreja local. Mas como aponta Horton, “no entanto, é precisamente o ministério corriqueiro, entra semana, sai semana, que oferece crescimento sustentável e estimula as raízes a crescer para o fundo. Se os grandes momentos de nossa vida cristã são produzidos pelos grandes movimentos no mundo evangélico, a igreja local ordinária parecerá bastante irrelevante”[2].

Diante de tudo isso, encerro com alguns apontamentos:

1. Cuide para não cair na armadilha de achar que a bênção da tecnologia pode suprir o que você tem em sua igreja local;

2. Aproveite o bom conteúdo disponibilizado por muitos irmãos sérios para a sua edificação, mas sonde o seu coração a fim de verificar se a busca por estes conteúdos não é simplesmente a expressão de um coração insatisfeito com os líderes que o Senhor colocou em sua igreja e que velam por sua vida;

3. Nos dias em que há transmissão de sua igreja local, dê prioridade a isso. Em nossa igreja, por exemplo, as aulas são transmitidas em videoconferência e podemos, além de ouvir os estudos, ter contato, ainda que virtual, com os irmãos da igreja local, numa demonstração de que, apesar do isolamento, queremos estar juntos;

4. Agradeça ao Senhor se a sua igreja local tem condições e seus líderes estão se esforçando para minimizar os impactos do isolamento social na vida espiritual de suas ovelhas. Estimule-os e anime-os, ainda que eles não sejam tão bons como aquele pastor de congressos. Lembre-se que ir a um restaurante vez por outra e comer um prato especial é bom, mas o que sustenta a sua vida é o “arroz com feijão” corriqueiro;

5. Ore para que o Senhor abrevie estes dias que estamos vivendo a fim de podermos, o mais rápido possível, voltar à comunhão da igreja local. O Corpo de Cristo em que cada membro tem sua função e contribui para a edificação de todos necessita estar junto, para a glória do seu Redentor.

Milton C. J. Junior


[1] Michael Horton. Simplesmente crente. Ed. Kindle

[2] Michael Horton. Simplesmente crente. Ed. Kindle

sexta-feira, 3 de abril de 2020

O jesus “Geninho”

Resultado de imagem para geninho she-ra

No início da minha adolescência um dos desenhos animados que começaram a fazer sucesso foi She-Ra: A Princesa do Poder. A lembrança aqui é somente para destacar um dos personagens do desenho chamado, Geninho.

No final do primeiro episódio ele apareceu se apresentando mais ou menos assim: “Oi, eu sou o Geninho, descobriu onde eu estava hoje? Se não, tente outra vez”. Daí voltava uma das cenas do desenho e podia-se perceber que o Geninho estava escondido atrás de alguma árvore ou de algo que compunha a cena. Após se revelar, ele fazia um tipo de aplicação moral para as crianças. Uma das que me recordei, acessando o YouTube, é assim: “Na história de hoje o Troll teve um sonho. Quando penso em sonhos, penso logo em dormir. Da próxima vez que seus pais mandarem você dormir, lembre-se de que uma boa noite de sono é uma parte muito importante para manter a sua saúde. Tenha bons sonhos!”

Isso chamou a atenção das crianças na época, não pelos conselhos em si, mas pelo desafio de se achar o Geninho. Onde ele estará hoje? Quem conseguirá descobrir? Assim, a graça era tentar achar o personagem primeiro que os amigos que assistiam junto. Entretanto, preciso destacar algo aqui: Geralmente suas lições morais no fim do desenho eram totalmente desconectadas da história em si, como no caso citado acima onde uma cena de um Troll sonhando serviu de pretexto para uma lição (diga-se de passagem, correta) sobre a importância do sono para as crianças. Além disso, por mais que o Geninho aparecesse em todos os episódios, sua participação era irrelevante para a trama. Ele não ajudava ninguém, não interagia com ninguém, não dava dicas. Nada. Sua função era totalmente nula. Estando ou não ali, não fazia a menor diferença.

A esta altura alguns já devem ter entendido a razão de eu ter me referido no título ao jesus Geninho, mas vou ser direto. Ouvi dia desses mais um sermão que se enquadra exatamente nessa descrição. O texto foi lido, princípios morais foram extraídos da história e somente no final Jesus apareceu em umas três sentenças. Entretanto, se ele não tivesse sido sequer mencionado, não teria feito diferença alguma no sermão. Sua obra, que possibilitou redenção e vida, a fim de que pecadores imperfeitos possam viver de forma piedosa, não foi destacada, a glória devida ao seu nome, motivo pelo qual os princípios morais devem ser aplicados e vividos pelos crentes, não foi enfatizada, e sua presença nos crentes, que os capacita a viver desta maneira, não foi mencionada.

Assim é o jesus Geninho, ele até dá as caras, geralmente no fim do sermão, mas não passa de um personagem irrelevante, pois no decorrer do sermão, quem age, principalmente, é o homem com a finalidade de viver uma vida melhor, menos pesada, sem ressentimentos. Entretanto, um sermão que não enfatiza a Cristo e não dá a ele toda a glória não é sermão. Assemelha-se mais à uma palestra motivacional, dessas que são recheadas de frases de impacto e que estão na boca de qualquer coaching.

Cristãos precisam ouvir e conhecer acerca do seu Redentor. Os dilemas humanos, vividos por irmãos nossos do passado, e suas atitudes corretas diante de circunstâncias adversas não estão ali para mostrar que eles eram bons, mas o quanto a obra de Cristo os capacitou a honrar a Deus com suas atitudes. O resultado foi uma vida satisfeita, que só pode ser vivida de forma plena se os olhos estiverem no Salvador. É isso que você pode perceber em Paulo quando ele afirma: “Aprendi a viver contente em toda e qualquer situação [...] tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.11,13).

Jesus reprovou os religiosos judeus porque eles examinavam as Escrituras achando que encontrariam nelas a vida eterna, mas não queriam ir à ele, aquele de quem as Escrituras testificavam, a fim de ter vida (Jo 5.39-40). Pregadores precisam cuidar para não ensinar ao povo a fazer de forma semelhante, enfatizando os princípios a serem vividos, sem ensinar aos irmãos a impossibilidade de vivê-los plenamente sem Jesus Cristo que foi claro quando afirmou aos seus discípulos: “Eu sou a videira, vós os ramos. Quem permanece em mim, e eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer (Jo 15.5).

Toda a Escritura trata de Cristo, logo, ele precisa se visto na exposição do texto sagrado. Quando Jesus encontrou os discípulos tristes e preocupados no caminho de Emaús, perguntou-lhes a razão de estarem assim. Eles responderam que era por causa do que tinha acontecido a Jesus, o Nazareno. Eles esperavam que ele fosse o Messias, mas agora tinha sido morto pelas autoridades. Mesmo com a notícia de que as mulheres tinham ido ao túmulo e recebido do anjo a notícia de que ele vivia, a tristeza permanecia.

A partir daí, algo é muito interessante na narrativa. Jesus estava diante deles, mas não diz: Estou aqui, podem acreditar nesta notícia! Não, o Senhor primeiramente os repreende por causa de sua incredulidade. Eles não criam no que os profetas disseram a respeito de sua morte e ressurreição. A seguir, o texto diz que “começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras (Lc 24.27). Isto não é curioso? Jesus busca trazer paz ao coração dos discípulos levando-os a vê-lo por meio das Escrituras.

O Jesus da Escritura está ali o tempo todo. Não irrelevante como o Geninho, mas atuando na história para redimir, restaurar, capacitar, instruir e tudo mais que seus irmãos adotivos precisarem para viver para a glória de Deus. É por isso que ele tem de ser claramente anunciado. Somente ele capacita os crentes a terem uma vida abundante, vivendo os princípios dados por Deus em sua Palavra.

Milton C. J. Junior

quinta-feira, 19 de março de 2020

Tema a Jesus, não o Covid-19

Calma! Não pense que este será um texto sensacionalista como muitos que têm afirmado que não há perigo algum com o coronavírus. Continue a leitura e você compreenderá em breve o título do texto.

Em Mateus 10 temos o relato do chamado dos apóstolos e seu envio a fim de pregar às “ovelhas perdidas da casa de Israel”. Neste momento Jesus dá a eles instruções detalhadas do que aconteceria, além de ordenar como eles deveriam proceder. A situação descrita por Jesus era aterrorizante. Ele estava enviando seus discípulos como ovelhas em meio aos lobos. Por causa do testemunho sobre Cristo a vida deles estaria em perigo, pois eles seriam entregues aos tribunais e açoitados nas sinagogas. As próprias relações familiares estariam abaladas. Irmãos entregariam irmãos, pais entregariam seus filhos e filhos se levantariam contra seus pais.

Em meio à toda esta terrível descrição do que eles teriam de enfrentar Jesus ordena, por três vezes: “Não temais” (10.26;28;31).

Mudando o que tem de ser mudado, vivemos dias terríveis. O mundo está testemunhando algo nunca visto em toda a sua história. O coronavírus começou causando mortes na China e vem se alastrando por vários países, tendo chegado em nossa nação. Apesar de estar ainda no início, as notícias que chegam deixam a população apreensiva. Enquanto escrevo, tomo conhecimento de que em uma cidade da Itália os mortos estão sendo levados para serem cremados em outras cidades, pois já não há mais onde sepultá-los. Tudo isso, volto a enfatizar, trazem bastante apreensão e incertezas. Como cristãos, como devemos lidar com tudo isso?

Creio que o texto de Mateus 10 traz verdades consoladoras para esse tempo em que muitos, à semelhança dos discípulos, podem temer as circunstâncias que os cercam. Vejamos:

1. O Senhor está soberanamente no controle de tudo – Jesus afirma aos discípulos que ele mesmo os estava enviando. Ele estava no controle de toda a situação, a despeito de tudo o que ele disse que iria ocorrer.

Os discípulos tinham de ter plena certeza de que não cai um pardal por terra sem o consentimento do Pai, confiando que até mesmo os seus fios de cabelo, cada um deles, estavam contados. Tudo está debaixo do controle soberano do Senhor.

É isso que você precisa lembrar, primeiramente, em tempos de coronavírus. Há especulações a respeito da origem do vírus, se foi “fabricado”, se veio de animais, etc. Entretanto, independente da causa secundária, temos em Deus a causa primária de todas as coisas, como ensina a Confissão de Fé de Westminster, padrão de fé para aqueles que, como eu, são presbiterianos: “Posto que, em relação à presciência e ao decreto de Deus, que é a causa primária, todas as coisas acontecem imutável e infalivelmente, contudo, pela mesma providência, Deus ordena que elas sucedam, necessária, livre ou contingentemente, conforme a natureza das causas secundárias” (CFW V.II).

2. Somente ele deve ser temido – Esta verdade decorre da primeira que vimos. Se Deus é soberano, ele e somente ele deve ser temido. Diante do quadro de perseguição descrito, seria natural que os discípulos tivessem medo. Jesus é enfático: “Não os temais” (10.26). Temer aqui tem como sentido “por em fuga pelo terror” ou “estar dominado pelo espanto”. O medo da morte poderia dominar de tal forma o coração dos discípulos que eles deixariam de cumprir a ordem de Jesus de proclamar o evangelho.

É por isso que Jesus continua: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo” (Mt 10.28). Em outras palavras, Jesus estava dizendo, não tema aos homens, tema a mim. Eu estou no controle!

Qualquer temor, que não seja ao Senhor, é pecaminoso e leva os homens a tomarem atitudes erradas. O medo dos homens e das circunstâncias poderia levar os discípulos a não mais proclamarem a mensagem a fim de preservar suas vidas. De igual forma, estar dominado pelo medo, diante da realidade do coronavírus que também pode levar à morte, é algo que precisa estar bem distante daqueles que creem em Deus. Entretanto, tal medo tem levado muitos crentes à ansiedade e tristeza.

Neste sentido, o medo pode revelar um coração egoísta, preocupado somente consigo mesmo. Ao temer somente a Jesus, encontraremos motivo de alegria, a despeito das circunstâncias e poderemos fazer coro com Paulo que afirmou: “aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez;”. Não tenho dúvidas que se vivesse hoje ele poderia incluir com coronavírus ou sem coronavírus.

Paulo não era um homem diferente de nós. Ele também era pecador e sujeito à fraquezas. Ele só pode afirmar o que afirmou porque tinha uma certeza, afirmada no final desta sentença: “Tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.11-13).

O temor, na Bíblia, está ligado à adoração. Isso quer dizer que é preciso amar, honrar, louvar e obedecer ao Senhor. É por isso que a fé em Jesus não é uma fé irresponsável. Confiar em Cristo não é achar que estamos imunes às intempéries da vida.

Por conta disso, é preciso observar mais uma verdade encontrada em Mateus 10.

3. Os homens devem ser prudentes e responsáveis – Ao ordenar que não tivessem medo Jesus não estava ensinando os discípulos a serem irresponsáveis. O perigo era real. Além de obedecer à ordem de Jesus de não temerem morrer nas mãos dos homens, eles deveriam obedecer à ordem para serem prudentes e cautelosos: “Sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas. E acautelai-vos dos homens” (Mt 10.16-17a).

A palavra prudente tem o sentido de “inteligente” ou “sábio”. Você já viu uma serpente dando o bote? Ela pode ficar imóvel muito tempo, enrolada, observando a fim de desferir um bote fatal. Se ela não aproveita o momento certo, ao atacar ela acaba se colocando à mercê do predador. A serpente não se expõe à toa. Jesus estava instruindo seus discípulos a serem inteligentes e cautelosos. Isso fica claro no versículo 23 em que ele diz: “quando, porém, vos perseguirem numa cidade, fugi para outra”.

Fugir não era sinal de medo, mas de prudência. Jesus não ensina os seus discípulos a enfrentarem desnecessariamente o perigo em nome da fé. Fazer isso seria pecar por tentar a Deus. Temer a Jesus implicaria, então, atender ao seu comando para ser prudente e fugir diante do perigo de morte. Em Atos você percebe que é isto que Paulo faz a cada perseguição, ela vai para outra cidade e continua a proclamar.

O que tenho visto nestes dias de coronavírus tem me levado a crer que se muitos dos que tem comentado em redes sociais vivessem nesse tempo, diriam aos discípulos: “Vocês vão embora da cidade por medo de morrer? Vocês não confiam em Deus?”.

Muitas igrejas têm tomado a decisão de suspender total ou parcialmente os seus trabalhos, atendendo às orientações das autoridades a fim de que a epidemia não se espalhe rapidamente e têm sido alvo de comentários impiedosos. O Brasil é um país continental e as realidades mudam bastante de região para região. Não julgue precipitadamente irmãos que estão em regiões com a realidade diferente da sua. Não julgue líderes que têm tomado a difícil decisão de suspender os cultos de adoração, pois eles podem estar sendo prudentes.

Pra terminar...

O Deus a quem servimos é soberano e por isso deve ser temido. Em Jesus Cristo temos salvação e nascemos de novo para viver com o coração rendido ao Senhor. Não somos imunes aos problemas deste mundo caído, mas podemos ter plena certeza de que cada um de nossos dias está escrito e determinado, sem que nem um deles houvesse ainda, conforme o Salmo 139. Deus nos chama a viver confiantes em seu governo ao mesmo tempo em que, responsavelmente, cumprimos tudo aquilo que nos é ordenado. Dentre as ordenanças está o mandamento de não matar.

No Catecismo Maior vemos, na interpretação do sexto mandamento, que dentre os deveres exigidos estão “todo cuidado e todos os esforços legítimos para preservar a nossa vida e a de outros” e dentre os pecados proibidos estão a “negligência ou retirada dos meios lícitos ou necessários para a preservação da vida”.

Temos também a responsabilidade de não esmorecer em nossa vida espiritual. Ainda que sua igreja não tenha trabalhos presenciais, ou esteja providenciado material para o seu estudo, não cesse de ler as Escrituras, de orar e buscar ao Senhor. Lembre-se do Dia do Senhor. Dedique o domingo integralmente ao Senhor, honrando-o no seu culto doméstico e nas demais atividades que fizer.

Nesses tempos difíceis que estamos vivendo, não tema o coronavírus. Ele não pode fazer mal a você, nem tirar a sua vida, se esta não for a vontade do soberano Deus. Tema a Cristo e, por temor a ele, porte-se com responsabilidade, fazendo tudo o que está ao seu alcance a fim de ajudar no combate da disseminação. Além disso, suplique ao Senhor que abrevie estes dias. Ele é poderoso para fazer isso, se o pedido estiver de acordo com sua vontade.

Você está seguro no seu Redentor!

Milton C. J. Junior

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Faça certo pelos motivos certos

Resultado de imagem para crossCerta vez, após o término dos meus dias de férias, eu pensava em um tema para o primeiro texto a ser escrito naquele ano e na lida diária com meus filhos, mais uma vez, o assunto das motivações do coração veio à tona. Calvino foi preciso quando afirmou que o coração do homem é uma perpétua fábrica de ídolos!

Acordamos e logo pela manhã havia algumas tarefas a serem feitas. Minha filha deveria arrumar a cama e meu filho ajudaria a mãe colocando os calçados que foram limpos na sapateira. Enquanto isso, conversando com minha esposa, mencionei que os deixaria assistir a um filme que eles estavam pedindo há dias. Minha esposa pediu que eu ligasse a TV somente depois que o mais novo terminasse a sua tarefa. A essa altura minha mais velha já estava no sofá, lendo um gibi.

Quando eu disse que eles iriam assistir o filme após o término da tarefa, mais que rapidamente minha menina disse: “Vou ajudar meu irmão!”, e levantou-se correndo para fazê-lo. Eis que surge, então, uma oportunidade de fazer o que ordenou o Senhor em Deuteronômio, inculcar aos filhos a Palavra, falando enquanto se está “assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te” (Dt 6.7).

Comecei falando à minha filha que ajudar o irmão era uma coisa muito boa. É importante demonstrar que problema não é necessariamente o que é feito, mas a razão para fazer o que se faz. Pais precisam ter o devido cuidado a fim de não desanimarem os filhos, somente mostrando que tudo o que fazem está errado, mas após falar que a ação foi boa, era hora de instruir o coração.

Perguntei o porquê de ela ter ido ajudar o irmão tão entusiasmada e rapidamente. A resposta não poderia ser outra: “porque quero assistir logo o filme!”. Tornei a perguntar se esta seria a razão certa para ajudar o irmão e ela logo fez uma carinha triste, entendendo o problema. Eu disse, então, que era preciso fazer coisas certas pela razão certa.

Meu objetivo com isso é um só. Ensinar a minha filha que é preciso amar a Deus e ao próximo, quando nos dispomos a fazer algo por outros. A glória de Deus, primeiramente, e o bem do outro, precisam ser os motivadores para as atitudes. Naquele momento, apesar de fazer algo bom e certo, ela agia motivada apenas pelo seu desejo de assistir ao filme. Possivelmente, se não houvesse um filme na história, ela continuaria assentada no sofá, lendo o seu gibi.

É claro que tudo isso também precisa ser dito a respeito de nós, pais. Ao ver as crianças fazendo o que é certo, ainda que somente externamente, é tentador querer usar os desejos do coração dos filhos para controlá-los e adestrá-los (sim, a palavra é essa). Dizer aos filhos que receberão um presente caso se comportem bem, não poucas vezes, “funciona”. O problema é que este caminho, geralmente mais rápido que o de gastar tempo tratando das motivações corretas, no máximo, fará com que os filhos se tornem fariseus ensimesmados, que enxergam o mundo girando ao seu redor, cuja única chance de deixarem a si mesmos de lado para ajudar a outros será quando for para conseguir o que seus corações tanto almejam.

Sim, filhos e pais agem de acordo com o que está em seus corações. É por isso que amar a Cristo precisa ser sempre o alvo maior. Quanto mais o amamos, mais temos condições de negarmos a nós mesmos (Mt 16.24).

Diante disso, os pais que querem cumprir o que ordena o Senhor em Deuteronômio, inculcando a Palavra aos filhos em todo o tempo, precisam ter em mente o que afirma o início do versículo 6.6: “Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração”. O ensino da Palavra aos filhos pressupõe que ela esteja já guardada no coração dos pais, de outra forma, o ensino será tal qual o dos escribas e fariseus que falavam e não faziam.

Mais importante ainda é lembrar a maior razão que temos a fim de fazer tudo para a glória de Deus: Cristo Jesus, nosso Senhor. É por causa de tudo o que ele fez de forma perfeita, cumprindo plenamente todos os mandamentos, assumindo sobre si os pecados do seu povo, sofrendo a punição que viria sobre nós, que não estamos mais debaixo da maldição e podemos viver para a glória de Deus. Fomos salvos pela graça, mediante a fé em Cristo, a fim de viver para Deus e não para nós mesmos. Paulo afirmou que “somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.10). Essa deve ser nossa lembrança e assim devemos viver.

Cuide portanto, não somente daquilo que você faz, mas esteja bem atento às razões do seu coração. É importante, diante de tudo o que você vai fazer, considerar: Qual a razão para eu fazer isso? O que estou buscando? A quem estou querendo agradar? Perguntas como essas trazem à tona aquilo que está movendo a nossa vida.

Tenha como regra para si o que foi respondido por Jesus ao ser questionado sobre qual seria o grande mandamento da lei: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas” (Mt 22.37-40. Assim. Fazendo o que fizer, você fará certo pelos motivos certos.

Para isso você foi salvo por Jesus!

Milton C. J. Junior