quarta-feira, 25 de abril de 2018

Forrest Gump, Eclesiastes e Westminster

forrest

Um dos filmes que marcou bastante os primeiros anos de minha mocidade foi Forrest Gump. Na história, Gump é um homem simples que vive no Alabama e que começa o filme sentado em um banco de um ponto de ônibus onde conta várias histórias de sua vida para as pessoas que vão se assentando ao lado dele. Em suas histórias ele viaja pelo mundo e é testemunha ocular de vários acontecimentos importantes na história, influenciando alguns deles. Vale a pena assistir o filme!

Eu o cito aqui porque uma das cenas que mais gosto é quando Forrest está assentado em uma varanda e resolve, como diz ele, “sem nenhuma razão especial, fazer uma pequena corrida”. Ele corre até o fim da estrada, depois até o fim da cidade e depois pelo condado. Ele, então, pensa: “já que cheguei até aqui, vou correr pelo estado”. E sucessivamente ele vai correndo para lugares cada vez mais longínquos “sem nenhuma razão especial”. Ele correu por 3 anos, 2 meses, 14 dias e 16 horas até que parou. Nesse tempo pessoas se ajuntaram a ele, o viam como uma inspiração. Alguns queriam saber se corria por alguma causa especial, etc. Quando parou, seus seguidores esperaram para ver o pronunciamento daquele que correra por tanto tempo. Ele olhou para aquelas pessoas e disse: “Eu tô muito cansado. Acho que vou para casa agora”. Voltou caminhando, deixando para trás os que o seguiam.

Em minha opinião, esta cena ilustra de forma formidável aquilo que Salomão escreveu muito, muito tempo antes: “Vaidade de vaidades, diz o Pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade” (Ec 1.2). A palavra vaidade aqui significa aquilo que é vão, vazio. Salomão afirma ainda: “atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade (vão) e correr atrás do vento” (Ec 1.14).

Para algum desavisado, Salomão soaria como um pessimista, que olha a vida como não tendo nenhum sentido, nenhuma razão, tal como a corrida de Gump. Esses, então, poderiam dizer que o que faltou para o corredor do Alabama e para os homens que Salomão descreve no Eclesiastes foi um propósito.

Entretanto, não é suficiente se ter um propósito. Uma boa ilustração disso está no capítulo 2. Alguns entendem, por exemplo, que um bom propósito para a vida está no trabalho, mas o pregador diz: “também aborreci todo o meu trabalho, com que me afadiguei debaixo do sol” (Ec 2.18). Mas porque Salomão chega a esta conclusão de que o trabalho é vão? A resposta está na continuação do versículo: “visto que o seu ganho eu havia de deixar a quem viesse depois de mim. E quem pode dizer se será sábio ou estulto? Contudo, ele terá domínio sobre todo o ganho das minhas fadigas e sabedoria debaixo do sol; também isto é vaidade” (Ec 2.18b-19).

Note bem! Para aquele que fez do trabalho somente um meio de construir um patrimônio, ficará angustiado ao pensar o que seus herdeiros farão com tudo aquilo? Será que farão valer à pena? Será que colocarão tudo a perder? Para que trabalhar tanto se não há garantias de que sua obra perdurará? Isso seria semelhante à corrida de Gump que, após correr tanto, só teve como resultado o voltar cansado para casa.

É preciso, por tudo isso, saber qual é o propósito que faz a vida valer, de fato, à pena, e aí chegamos em Westminster. A resposta à primeira pergunta do Catecismo Maior, “Qual é o fim supremo e principal do homem?” é: “O fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”.

Com essa curta resposta, os teólogos de Westminster resumem muito bem o que Salomão ensina com maestria em Eclesiastes. Longe de ser um pessimista, o pregador ensina que à parte de Deus, não existe propósito algum que possa dar sentido à vida do homem. É por isso que no fim do livro ele afirma: “De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo o homem” (Ec 12.13).

O temor do Senhor, algo que foi perdido por conta da queda de Adão (e que levou o homem, por exemplo, a considerar seu trabalho um enfado) é restaurado novamente no homem que é redimido pelo Senhor Jesus Cristo. Somente aqueles que estão em Jesus Cristo podem compreender que a vida só tem sentido quando se vive para a glória de Deus. No Novo Testamento Paulo, então, ordena que quer comendo ou bebendo, o homem deve fazer tudo para a glória de Deus.

Em sua infinita graça e misericórdia, Deus concede àqueles que vivem para glorificar o seu nome a verdadeira alegria. Esta bênção pode ser notada também em Eclesiastes, quando Salomão afirma: “Nada há melhor para o homem do que comer, beber e fazer que a sua alma goze o bem do seu trabalho. No entanto, vi também que isto vem da mão de Deus, pois, separado deste, quem pode comer ou quem pode alegrar-se? Porque Deus dá sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que lhe agrada; mas ao pecador dá trabalho, para que ele ajunte e amontoe, a fim de dar àquele que agrada a Deus. Também isto é vaidade e correr atrás do vento”. (Ec 2.24-26).

Só para continuar no exemplo do trabalho, aquele que trabalha para a glória de Deus, não estaria desesperado mesmo que viesse, futuramente, a perder todo o patrimônio, pois, por causa de Cristo, é possível viver contente em toda e qualquer situação (Fp 4.11).

Se você viver para si mesmo, terminará como Forrest Gump, voltando para casa cansado, sem ter nenhuma “meta” alcançada. Pior ainda, pois como afirmou Asafe, “os que se afastam de ti, eis que perecem” (Sl 73.27). Entretanto, se crer em Jesus Cristo e entender que o propósito para o qual você foi criado é glorificar a Deus e ter alegria nele para todo o sempre, além de poder gozar do fruto de seus trabalhos e realizações feitas aqui, debaixo do sol, para a glória de Deus, poderá desfrutar de sua presença bendita e da alegria verdadeira para todo o sempre!

Viva, portanto, para a glória de Deus!

Milton C. J. Junior

terça-feira, 17 de abril de 2018

E quando a verdade não é dita em amor?

Resultado de imagem para communication aggressiveSe você está familiarizado com o aconselhamento bíblico, ou, sobretudo, com as Escrituras, conhece a ordem paulina para “falar a verdade em amor” (Ef 4.15). Apesar de a tradução Revista e Atualizada de Almeida trazer “seguindo a verdade em amor”, um dos sentidos desta palavra grega, traduzida por “seguir”, é “falar ou contar a verdade”[1]. Olhando para o contexto, parece que falar é mesmo uma tradução preferível, pois nos versículos 11 e 12 Paulo lista alguns dons ligados à Palavra afirmando que eles foram concedidos para o aperfeiçoamento dos santos e no versículo 14 ele mostra a finalidade: para que os irmãos não fossem levados por vento de doutrina.

Falar a verdade em amor é um conceito importante para o aconselhamento, pois na Bíblia temos várias ordens para ir tratar com os irmãos:

· Se alguém peca contra nós, Jesus ordena ir até o ofensor (Mt 18.15);

· Se há um irmão faccioso, ele precisa ser admoestado (Tt 3.10);

· Se alguém for surpreendido em falta, precisa ser corrigido (Gl 6.1);

· Se alguém está insubmisso, precisa ser admoestado; se desanimado, precisa de consolo; se fraco, precisa ser amparado (1Ts 5.14);

· E outras.

A motivação para o confronto, exortação, admoestação, encorajamento e animação dos irmãos precisa ser o amor cristão e tudo deve ser feito por esta razão. Mas como proceder caso aquele que venha tratar comigo, em quaisquer desses casos, não fale em amor? O que fazer quando meu irmão fala a verdade de forma rude e dura? Creio que essa resposta envolve pelo menos três aspectos que precisam ser notados.

Avalie a sua percepção e motivação

Não é fácil ser confrontado. Quando alguém aponta para os nossos pecados, geralmente a primeira reação é a negação. É por conta disso que é preciso avaliar a percepção e a motivação quando julgamos que alguém não disse o que disse em amor. Se é verdade que pode haver razões que nada têm a ver com o amor cristão por parte daqueles que decidem tratar os pecados de outrem, é igualmente verdadeiro que o orgulho pode fazer com que uma pessoa perceba de forma errada a intenção alheia, tendo por motivação o não querer dar ouvidos à verdade.

Muitos veem falta de amor quando as palavras são ditas de forma firme e séria ou quando elas não estão de acordo com o que eles querem. Um bom exemplo disso é a reação ao discurso que Jesus proferiu após a murmuração dos judeus diante de sua afirmação de ser o pão do céu. Após o fim de sua fala, em que afirmou categoricamente que ninguém iria a ele se o Pai não concedesse, muitos dos que o seguiam disseram: “Duro é este discurso; quem o pode ouvir?” (Jo 6.41-60). Com a insistência de Jesus naquele discurso o resultado foi: “À vista disso, muitos dos seus discípulos o abandonaram e já não andavam com ele” (Jo 6.61-66).

Algo importante aqui é que Jesus em momento algum “amacia” suas palavras. Com o abandono de muitos, ele perguntou diretamente aos 12: “Porventura, quereis também vós outros retirar-vos?” (Jo 6.67).

É preciso sempre avaliar se o julgamento de dureza ou falta de amor não é em razão de não querer ouvir a mensagem. Muitos, para rejeitar a mensagem, colocarão defeito no mensageiro e apontarão para os seus pecados, talvez numa tentativa de demonstrar que ele não tem autoridade para repreendê-los. Avalie muito bem o seu coração.

Dê ouvidos à verdade

Avaliado o seu coração para saber se você não está procurando uma desculpa para se esquivar de sua responsabilidade, dê ouvidos à verdade. Talvez você insista e pergunte: “Como ouvir alguém que está com intenções pecaminosas? Como ouvir alguém que não está preocupado comigo, mas simplesmente arrumou um pretexto para me repreender?”.

Creio que podemos pensar em alguns exemplos bíblicos. No Evangelho conforme Mateus Jesus disse às multidões e a seus discípulos que os escribas e fariseus estavam assentados na cadeira de Moisés, na posição de mestres da Lei. Por mais que Jesus criticasse muitas das distorções da Lei que eles ensinavam, eles eram os professores da Lei e muito do que falavam estava em acordo com Moisés. Daí Jesus dizer: “Fazei e guardai, pois, tudo quanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras; porque dizem e não fazem” (Mt 23.1-3).

Você precisa entender isso à luz do que Jesus havia dito no Sermão do Monte. Após afirmar que não tinha vindo para revogar a Lei e que ela continuaria válida, Jesus disse aos seus discípulos que a justiça deles deveria exceder em muito à dos escribas e fariseus (Mt 5.17-20). O exemplo disso fica claro ainda no Sermão do Monte. Jesus diz que os fariseus gostavam de exercer sua justiça diante dos homens para serem vistos, mas que seus discípulos tinham de fazer com o foco na glória de Deus (Mt 6.1-8;16-18).

Fica bem claro que, a despeito de os fariseus fazerem várias coisas pelas razões erradas, isso não invalidaria o ensino, se este fosse correto. Daí a ordem para os discípulos fazerem o que estava sendo ensinado, sem imitar as obras dos “mestres”.

Outro texto que pode nos ajudar aqui está na epístola de Paulo aos Filipenses. O apóstolo diz que, em decorrência de sua prisão, muitos irmãos ousaram pregar mais confiadamente. Após isso, ele reconhece que outros pregavam por razões diversas: “Verdade é que também alguns pregam a Cristo por inveja e porfia; [...] outros, na verdade, anunciam a Cristo por contenção, não puramente, julgando acrescentar aflição às minhas prisões” (Fp 1.15-17).

Esse texto é usado por muitos de forma equivocada para defender que o evangelho precisa ser pregado, ainda que distorcido (de qualquer jeito). Não é esse o ponto. Paulo não está falando da distorção da verdade, mas da intenção daqueles que pregam a verdade. Neste sentido, a despeito das intenções erradas, diz Paulo: “Mas que importa? Contanto que Cristo seja anunciado de toda a maneira, ou com fingimento, ou em verdade [insisto, a verdade aqui diz respeito à intenção da pregação, não ao conteúdo dela], nisto me regozijo e me regozijarei ainda” (Fp 1.18).

Diante disso, fica claro que as más intenções de quem prega não anulam a verdade da Palavra de Deus. Por isso, se alguém for ter com você exortando-o a se arrepender de seus pecados, ainda que queira com isso simplesmente expor o seu erro para humilhá-lo, se é verdade, é preciso dar ouvidos a ele e corrigir-se para a glória e com a ajuda do Senhor, pois Jesus afirmou categoricamente que, sem ele, nada podemos fazer.

Confronte o pecado daquele que não foi amoroso

O último aspecto a ser pensado é a respeito daquele que nos corrigiu, mas supostamente sem amor. Mais uma vez é importante verificar se este é um fato ou se não é impressão, pois somos muito diferentes uns dos outros e temos maneiras bem distintas de falar. Uns são mais mansos, outros são mais firmes, outros mais diretos, etc. Contudo, se você está entendendo que o seu irmão o repreendeu com a motivação errada, é preciso também confrontá-lo.

Aqui é preciso lembrar a máxima de Paul Tripp: somos “instrumentos nas mãos do Redentor, pessoas que precisam ser transformadas ajudando pessoas que precisam de transformação”. Diante dessa realidade, é preciso cumprir o que Jesus ordenou, “se teu irmão pecar contra ti, vai argui-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão” (Mt 18.15). Explique a ele que você entendeu ser bíblico aquilo que ele disse, mas que entendeu que ele também pecou na motivação. Dê o benefício da dúvida a seu irmão, ouça seus argumentos. Se ele entender que pecou e se arrepender, perdoe-o. Se ele explicar e você se contentar com o que ele disser, as coisas estão resolvidas. Se não, continue os passos de Mateus 18, chame testemunhas, entregue-o à igreja, etc.

Pra terminar

Como já foi dito, geralmente não gostamos de ser repreendidos. Por causa disso, a tentação de usar desculpas para não dar ouvidos à repreensão sempre será uma realidade. Se queremos viver para a glória de Deus é preciso avaliar o nosso coração a fim de verificar se não estamos nos esquivando. Peça ao Senhor sabedoria para avaliar seu próprio coração.

Dê ouvidos à verdade! O pecado de outros nunca irá nos redimir. A redenção está somente em Cristo Jesus quando o pecado é confessado e deixado.

Vá se acertar com seu irmão. Se há dúvidas sobre as motivações dele, é preciso haver uma boa conversa a fim de que tudo se estabeleça e que o Senhor seja glorificado em nossos relacionamentos.

Milton C. J. Junior


[1] Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong

terça-feira, 10 de abril de 2018

Nem grilo falante, nem muro das lamentações

Muro grilo[5]

Uma piada antiga conta que um médico do interior enviou seu filho a fim de cursar medicina na capital. Após um logo tempo de estudo o jovem retornou para assumir a clínica do pai, que havia se aposentado. O primeiro paciente entrou e ele soube que o cliente já se consultava com o seu pai há 10 anos. O jovem doutor o examinou, prescreveu o remédio e com poucas semanas o paciente já estava bom, muito grato e não poupando elogios ao novo doutor. O jovem médico, então, foi visitar o pai e disse: Meu pai, já estava em tempo mesmo de o senhor se aposentar. A medicina avançou muito e aquele paciente que o sr. já tratava há dez anos ficou curado em três semanas com o tratamento que prescrevi. O velho médico olhou bem para o filho e exclamou: Pois é, meu filho, mas foi o dinheiro desses dez anos de consultas que ajudou a pagar o seu curso de medicina...

Pensando já na vida real, não são poucos os casos de pessoas que, ao enfrentar problemas existenciais, recebem junto com o “diagnóstico” a notícia, pelo especialista, de que o tratamento terá de ser bem longo (muitas vezes, “coincidentemente”, durando o mesmo tempo das prestações a serem pagas pelos profissionais). É claro que aqui, não posso ser leviano. Mesmo discordando das abordagens seculares, tenho plena consciência de que há muitos terapeutas que estão mais preocupados com os pacientes que com as parcelas a vencer e levam seu trabalho a sério. Sei também que a questão de “manter o cliente” não é uma prerrogativa de conselheiros seculares. Por várias razões, incluindo finanças, no caso daqueles que cobram para aconselhar (tenho aqui minhas críticas a essa prática, mas isso é assunto para outro post), desejo de ser reconhecido, ouvido, considerado, etc., conselheiros bíblicos podem cair na tentação de se tornar uma espécie de “Grilo Falante gospel”.

Você deve conhecer o Grilo Falante, ele é o amigo do Pinóquio, um boneco de pau que se tornou um menino, e age como sua consciência, tentando livrar o garoto de problemas. Curiosamente, enquanto eu escrevia fui buscar saber um pouco mais sobre a personagem que eu já conhecia e descobri que vários sites trazem a informação de que o nome do grilo, em inglês Jiminy Cricket, inicialmente era apenas um eufemismo para Jesus Christ. Essa nova informação torna minha ilustração ainda mais precisa, pois é isso que muitos conselheiros acabam tentando fazer, servir eles mesmos de redentores dos aconselhados.

Em meu ministério encontrei alguns aconselhados que foram uma tentação para que eu começasse a agir assim. Um, especificamente, me ligava a cada decisão que tinha de tomar. Em princípio até me senti importante, já que alguém estava considerando minhas “opiniões” a fim de tomar decisões em sua vida. De repente começaram as ligações tarde da noite ou durante os períodos em que eu estava me exercitando fisicamente, também na hora em que eu estava almoçando e em vários outros momentos do dia, para perguntar sobre as coisas mais simples.

É claro que tive de conversar e explicar que o objetivo do aconselhamento era que, diante do Senhor, ele pudesse tomar, por si mesmo, decisões que honrassem ao Redentor. Conselheiros devem estar bem cientes de que seus dons, assim como os demais dons concedidos pelo Senhor, têm por finalidade o “aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para o outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro” (Ef 4.12-14).

A ideia é que o aconselhado dependa de Cristo, não do conselheiro, e para que isso aconteça as tarefas são de essencial importância no processo de aconselhamento bíblico. Conselheiros devem ouvir as histórias, os dilemas, buscar e apontar nas Escrituras a forma como os aconselhados podem e devem responder biblicamente às diversas circunstâncias de suas vidas e providenciar tarefas criativas para que eles coloquem em prática o que estão aprendendo e comecem a crescer em graça, sempre na dependência de Deus, aquele que efetua nos crentes o querer e o realizar conforme sua boa vontade (Fp 2.13), por meio de seu Filho Jesus Cristo, que afirmou: “Quem permanece em mim, e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer (Jo 15.5). Como afirmou acertadamente John Babler, “a Igreja e seu ministério de cuidado das almas devem ser fiéis à mensagem de Cristo. O aconselhamento não é a solução final para aqueles que estão sofrendo. Jesus é a solução.”[1]

Quando isso não ocorre há outro perigo para os conselheiros que é o de se tornarem nada mais que um “muro de lamentações dos pecados alheios”. Funciona mais ou menos assim, os aconselhados vêm para o aconselhamento, contam suas crises, seus pecados, choram, ouvem alguma exortação e/ou esperança que flui do evangelho, recebem suas tarefas, não as fazem, não buscam crescer em graça e pensar biblicamente, mas sempre retornam ao conselheiro a fim de tentar aliviar a culpa do pecado ou o peso sentido em meio aos dilemas da vida, por meio de um mero desabafar ou de um “pôr tudo para fora”.

Com Maísa (nome fictício) aconteceu exatamente assim. Apesar do prévio combinado, de que se ela não realizasse as tarefas não haveria como seguir como aconselhamento, por algumas vezes acabei transigindo com sua falta de compromisso, achando que conseguiria ajuda-la, mesmo ela tendo deixado de fazer uma tarefa simples como voltar a frequentar regularmente a sua igreja. Quando entendi que ela não queria levar a sério o compromisso com o corpo de Cristo, mas somente ter alguém para desabafar, não tive outra opção a não ser encerrar os encontros para aconselhamento. O princípio exposto em Provérbios 21.25 cabe muito bem aqui, “o preguiçoso morre desejando, porque as suas mãos recusam a trabalhar”. Nunca haverá resultado na passividade (ou preguiça) dos aconselhados, pois a piedade é algo que deve ser exercitado e que exige esforço (1Tm 4.7; At 24.16). É bom lembrar que no Salmo 1 a promessa de ser bem-sucedido é em tudo o que o justo “faz” (1.3).

Você pode ser uma bênção aconselhando seus irmãos sendo usado, pela graça de Deus, para exortar, confortar, animar, apontar caminhos, dar esperança, mas sem nunca querer tomar o lugar do Redentor, quer seja nas decisões que os aconselhados devem tomar, quer seja no alívio paliativo, ao simplesmente servir como uma boa pessoa com quem desabafar.

Lembre-se sempre disso: conselheiros não são chamados para ser um Grilo falante, tampouco um muro das lamentações, mas, nas palavras de Paul Tripp, simples “instrumentos nas mãos do Redentor: pessoas que precisam ser transformadas ajudando pessoas que precisam de transformação”. Que o Senhor Jesus Cristo, o Maravilhoso Conselheiro, use nossa vida para a sua própria glória.

Milton C. J. Junior


[1] John Babler & Nicolas Ellen (editores). Fundamentos Teológicos do Aconselhamento Bíblico. P. 93 – Ed. Nutra