Uma piada antiga conta que um médico do interior enviou seu filho a fim de cursar medicina na capital. Após um logo tempo de estudo o jovem retornou para assumir a clínica do pai, que havia se aposentado. O primeiro paciente entrou e ele soube que o cliente já se consultava com o seu pai há 10 anos. O jovem doutor o examinou, prescreveu o remédio e com poucas semanas o paciente já estava bom, muito grato e não poupando elogios ao novo doutor. O jovem médico, então, foi visitar o pai e disse: Meu pai, já estava em tempo mesmo de o senhor se aposentar. A medicina avançou muito e aquele paciente que o sr. já tratava há dez anos ficou curado em três semanas com o tratamento que prescrevi. O velho médico olhou bem para o filho e exclamou: Pois é, meu filho, mas foi o dinheiro desses dez anos de consultas que ajudou a pagar o seu curso de medicina...
Pensando já na vida real, não são poucos os casos de pessoas que, ao enfrentar problemas existenciais, recebem junto com o “diagnóstico” a notícia, pelo especialista, de que o tratamento terá de ser bem longo (muitas vezes, “coincidentemente”, durando o mesmo tempo das prestações a serem pagas pelos profissionais). É claro que aqui, não posso ser leviano. Mesmo discordando das abordagens seculares, tenho plena consciência de que há muitos terapeutas que estão mais preocupados com os pacientes que com as parcelas a vencer e levam seu trabalho a sério. Sei também que a questão de “manter o cliente” não é uma prerrogativa de conselheiros seculares. Por várias razões, incluindo finanças, no caso daqueles que cobram para aconselhar (tenho aqui minhas críticas a essa prática, mas isso é assunto para outro post), desejo de ser reconhecido, ouvido, considerado, etc., conselheiros bíblicos podem cair na tentação de se tornar uma espécie de “Grilo Falante gospel”.
Você deve conhecer o Grilo Falante, ele é o amigo do Pinóquio, um boneco de pau que se tornou um menino, e age como sua consciência, tentando livrar o garoto de problemas. Curiosamente, enquanto eu escrevia fui buscar saber um pouco mais sobre a personagem que eu já conhecia e descobri que vários sites trazem a informação de que o nome do grilo, em inglês Jiminy Cricket, inicialmente era apenas um eufemismo para Jesus Christ. Essa nova informação torna minha ilustração ainda mais precisa, pois é isso que muitos conselheiros acabam tentando fazer, servir eles mesmos de redentores dos aconselhados.
Em meu ministério encontrei alguns aconselhados que foram uma tentação para que eu começasse a agir assim. Um, especificamente, me ligava a cada decisão que tinha de tomar. Em princípio até me senti importante, já que alguém estava considerando minhas “opiniões” a fim de tomar decisões em sua vida. De repente começaram as ligações tarde da noite ou durante os períodos em que eu estava me exercitando fisicamente, também na hora em que eu estava almoçando e em vários outros momentos do dia, para perguntar sobre as coisas mais simples.
É claro que tive de conversar e explicar que o objetivo do aconselhamento era que, diante do Senhor, ele pudesse tomar, por si mesmo, decisões que honrassem ao Redentor. Conselheiros devem estar bem cientes de que seus dons, assim como os demais dons concedidos pelo Senhor, têm por finalidade o “aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para o outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro” (Ef 4.12-14).
A ideia é que o aconselhado dependa de Cristo, não do conselheiro, e para que isso aconteça as tarefas são de essencial importância no processo de aconselhamento bíblico. Conselheiros devem ouvir as histórias, os dilemas, buscar e apontar nas Escrituras a forma como os aconselhados podem e devem responder biblicamente às diversas circunstâncias de suas vidas e providenciar tarefas criativas para que eles coloquem em prática o que estão aprendendo e comecem a crescer em graça, sempre na dependência de Deus, aquele que efetua nos crentes o querer e o realizar conforme sua boa vontade (Fp 2.13), por meio de seu Filho Jesus Cristo, que afirmou: “Quem permanece em mim, e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.5). Como afirmou acertadamente John Babler, “a Igreja e seu ministério de cuidado das almas devem ser fiéis à mensagem de Cristo. O aconselhamento não é a solução final para aqueles que estão sofrendo. Jesus é a solução.”[1]
Quando isso não ocorre há outro perigo para os conselheiros que é o de se tornarem nada mais que um “muro de lamentações dos pecados alheios”. Funciona mais ou menos assim, os aconselhados vêm para o aconselhamento, contam suas crises, seus pecados, choram, ouvem alguma exortação e/ou esperança que flui do evangelho, recebem suas tarefas, não as fazem, não buscam crescer em graça e pensar biblicamente, mas sempre retornam ao conselheiro a fim de tentar aliviar a culpa do pecado ou o peso sentido em meio aos dilemas da vida, por meio de um mero desabafar ou de um “pôr tudo para fora”.
Com Maísa (nome fictício) aconteceu exatamente assim. Apesar do prévio combinado, de que se ela não realizasse as tarefas não haveria como seguir como aconselhamento, por algumas vezes acabei transigindo com sua falta de compromisso, achando que conseguiria ajuda-la, mesmo ela tendo deixado de fazer uma tarefa simples como voltar a frequentar regularmente a sua igreja. Quando entendi que ela não queria levar a sério o compromisso com o corpo de Cristo, mas somente ter alguém para desabafar, não tive outra opção a não ser encerrar os encontros para aconselhamento. O princípio exposto em Provérbios 21.25 cabe muito bem aqui, “o preguiçoso morre desejando, porque as suas mãos recusam a trabalhar”. Nunca haverá resultado na passividade (ou preguiça) dos aconselhados, pois a piedade é algo que deve ser exercitado e que exige esforço (1Tm 4.7; At 24.16). É bom lembrar que no Salmo 1 a promessa de ser bem-sucedido é em tudo o que o justo “faz” (1.3).
Você pode ser uma bênção aconselhando seus irmãos sendo usado, pela graça de Deus, para exortar, confortar, animar, apontar caminhos, dar esperança, mas sem nunca querer tomar o lugar do Redentor, quer seja nas decisões que os aconselhados devem tomar, quer seja no alívio paliativo, ao simplesmente servir como uma boa pessoa com quem desabafar.
Lembre-se sempre disso: conselheiros não são chamados para ser um Grilo falante, tampouco um muro das lamentações, mas, nas palavras de Paul Tripp, simples “instrumentos nas mãos do Redentor: pessoas que precisam ser transformadas ajudando pessoas que precisam de transformação”. Que o Senhor Jesus Cristo, o Maravilhoso Conselheiro, use nossa vida para a sua própria glória.
Milton C. J. Junior
[1] John Babler & Nicolas Ellen (editores). Fundamentos Teológicos do Aconselhamento Bíblico. P. 93 – Ed. Nutra
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