Essa inquietante pergunta, juntamente com outra (qual é o propósito para a minha existência?) é bastante antiga e costuma, não poucas vezes, causar tristeza, ansiedade, insegurança e tantos outros sentimentos. Um homem na meia idade pode estar triste por olhar para trás e verificar que não realizou nada “relevante” em sua jornada, ao mesmo tempo em que um jovem pode estar ansioso e inseguro quanto ao que ele “quer ser” na vida.
A despeito de muitas respostas a essas perguntas já terem sido formuladas, como cristãos precisamos ter uma perspectiva bíblica a respeito de nossa identidade.
Criados à imagem de Deus
Esta é a primeira consideração a se fazer ao pensar biblicamente. O livro de Gênesis nos mostra que o homem foi criado no sexto dia da criação à imagem e semelhança de Deus. A pergunta 17 do Catecismo de Westminster, “Como criou Deus o homem?” traz como resposta que “Deus criou o homem, macho e fêmea; formou-o do pó, e a mulher da costela do homem; dotou-os de almas viventes, racionais e imortais; fê-los conforme a sua própria imagem, em conhecimento, retidão e santidade, tendo a lei de Deus escrita em seus corações e poder para a cumprir, com domínio sobre as criaturas, contudo sujeitos a cair” (vide os 3 primeiros capítulos de Gênesis).
Pautados nessa resposta, podemos dizer que a identidade do homem não é própria, mas derivada. Seu valor não é próprio, mas atribuído. Ele possui dignidade por causa do que ele representa, a saber, o próprio Deus. Desta forma, quem ele é está intimamente ligado ao que ele foi criado para fazer. Recorro, mais uma vez, ao Catecismo Maior de Westminster que afirma acertadamente que “o fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”.
O homem foi criado para honrar a Deus cumprindo o que o Senhor o designou para fazer. Relacionar-se com Deus, com o próximo e com o meio em que ele vivia, governando sobre todas as coisas. Ao viver pautado na glória de Deus o homem viveria de forma plena, realizando-se em seu Criador e usufruindo das bênçãos da criação.
Caídos em Adão
Se o homem foi criado de forma tão sublime, porque há tanta dúvida a respeito de sua própria identidade. Porque tantas pessoas estão confusas, sem saber para onde caminham? O livro de Gênesis não mostra somente como o homem foi criado e qual o seu propósito neste mundo, mas também o que ocorreu para chegarmos na situação em que estamos.
Ao colocar o homem no Jardim do Éden e lhe dar ordens, o Senhor advertiu que a desobediência o levaria à morte. A morte seria física, mas também seria espiritual, ou seja, o homem estaria separado de Deus. Sobre essa realidade, Isaías afirmou ao povo que “as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus” (Is 59.2). E foi isso que aconteceu! Ao ceder à tentação da Serpente e comer do fruto que Deus havia ordenado que não comessem, homem e mulher foram expulsos da presença do Senhor.
Com Adão caiu toda a raça humana, pois ele era o nosso representante. Todos agora nascem com o que chamamos de “pecado original”, separados de Deus e voltados para si mesmos. Aliás, essa foi a natureza da tentação, fazer com que o homem olhasse para si, em primeiro lugar. A Serpente prometeu que se comessem do fruto eles seriam como o próprio Deus.
Aconteceu que eles não se tornaram como Deus. Em vez disso, o pecado trouxe vergonha e medo da justa ira do Senhor. O pecado trouxe o afastamento daquele em quem o homem tem a sua identidade, mas por que sua identidade é derivada ele busca um substituto para Deus na criação (Rm 1.21-23,25) e acaba se tornando ou querendo se tornar como esse seu novo deus, que se torna a sua razão de viver. A maldição para os idólatras no Salmo 115 consiste exatamente em o idólatra se tornar como o falso deus que ele mesmo forjou.
Você percebe claramente que o homem busca a sua identidade nas obras da criação quando ouve “Eu preciso ter diheiro”, “Eu preciso ter uma família”, “Eu preciso de uma profissão relevante”, pois isso me fará SER rico, SER pai, SER reconhecido, etc. Não se apresse ao imaginar que estou reprovando todas essas coisas. Elas não são ruins em si mesmas, afinal, Deus fez o homem para gozar do fruto do seu trabalho, para constituir família e para servir ao próximo com suas habilidades. Meu ponto é que estas coisas não podem ser a razão da vida, nem aquilo que define a identidade, pois quando isso acontece elas se tornam ídolos e o final da idolatria é sempre o desespero, a morte, a ansiedade, o medo de perder aquilo que lhe confere dignidade.
É importante lembrar aqui que o homem, mesmo pecador, continua sendo imagem e semelhança de Deus, ainda que esta imagem esteja agora desfigurada. Ele não mais reflete perfeitamente o seu Criador, mas continua possuindo dignidade por ter sido criado à imagem e semelhança dele.
Restaurados em Cristo
Jesus Cristo, o Filho de Deus (1Co 1.9), a expressão exata do ser de Deus (Hb 1.3), veio ao mundo a fim de redimir pecadores. A obra de Cristo no Calvário leva aqueles que creem nele a ter paz com Deus (Rm 5.1). Se antes havia inimizade, em Cristo e por causa de Cristo pode haver um retorno ao Pai.
A conversão coloca o pecador em uma nova posição. Ele é agora considerado santo, separado para Deus (2Co 1.1; Ef 1.1). Por causa de Cristo, temos uma nova identidade. Já somos filhos de Deus, ainda que aguardemos a plena redenção (1Jo 3.2); Somos herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo (Rm 8.17); co-participantes da natureza divina (2Pe 1.4), dentre várias outras bênçãos.
Você já pensou a respeito de tamanhos benefícios, por estar em Cristo? Muitos cristãos olham para os personagens da Bíblia e se espantam com o que foi dito por Deus acerca deles achando que nunca estariam naquela posição. Quando fazem isso, acabam deixando de lado os méritos de Cristo e atribuindo méritos aos pecadores. Por exemplo, Davi foi chamado um homem segundo o coração de Deus. Se você conhece a história do grande rei, sabe que ele cometeu pecados gravíssimos. Como pôde Deus fazer uma afirmação dessas a respeito dele?
Em Atos temos a resposta. Lucas cita a forma como Davi foi chamado por Deus ao relatar a história de Israel (At 13.22). Mais à frente ele diz que Deus cumpriu, em Cristo, as promessas feitas à Davi, ressuscitando-o para a justificação dos crentes. Davi foi um homem segundo o coração de Deus por que cria no Messias. Se você também estiver em Cristo Jesus, é também alguém segundo o coração de Deus. Da mesma forma, pode ter certeza de que por causa da sua união com Cristo Deus pode dizer de você: “Este é meu filho em quem eu tenho prazer”.
Estas bênçãos e essa nova identidade podem, então, levar os crentes a viver para a glória de Deus, quer seja comendo, ou bebendo, ou fazendo outra coisa qualquer (1Co 10.31). Isso quer dizer que tudo aquilo que você faz, não deve ser feito em busca de sua identidade, mas para que aquele que atribui a você identidade seja glorificado, Cristo Jesus, o Salvador.
Desta forma volto à questão inicial: Quem é você?
Se você não está em Cristo, é um pecador que continuará perdido, buscando sua identidade em falsos deuses, até o dia em que, arrependido dos seus pecados, confiar em Jesus Cristo para a sua salvação. A partir de então, poderá encontrar paz, alegria, gozo, prazer e identidade, vivendo para a glória de Deus. Doutro modo, além de uma vida sem sentido, encontrará no final a justa condenação do Senhor.
Se você está em Cristo você já é filho de Deus, aguardando a plenitude da redenção quando, então, será exatamente como Cristo é (1Jo 3.2). Viva, então, para a glória dele!
Milton C. J. Junior
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