terça-feira, 19 de novembro de 2019

Crer, adorar e fazer– ou: cuidado com os teólogos de internet

Qual é a razão do estudo teológico? Esta pergunta é indubitavelmente importante, sobretudo em dias em que o interesse pela teologia reformada tem aumentado exponencialmente. Como pastor de uma denominação herdeira da teologia reformada, muito me alegro com esse crescimento, ainda que a alegria venha com pelo menos duas preocupações.

As preocupações se dão por fatos que podem ser notados facilmente, navegando um pouco nas redes sociais. Crescem a cada dia as páginas de cunho pretensamente reformado. Todos os dias centenas de citações de teólogos são compartilhadas e recompartilhadas, algumas até mesmo de autoria duvidosa. Basta navegar um pouco para comprovar.

Cito, então, minha primeira preocupação: muitos daqueles que se dedicam a cuidar de suas páginas e comunidades, além daqueles que estão interagindo com todo esse conteúdo, não se dedicam da mesma forma à igreja local. Alguns sequer fazem parte de uma igreja e estão submissos ao pastoreio daqueles que o Senhor chamou para cuidar de sua igreja. Eis um terrível contrassenso: a tentativa de reformar a Igreja, estando fora de sua jurisdição.

Numa parábola moderna eu diria que os teólogos de internet se assemelham a uma criança que encontrou no Google qual é a medida de massa para reboco e já quis discutir sobre edificações com engenheiros e mestres de obra.

Minha segunda preocupação é o fato de que, em muitos casos, o amor pelo debate e discussões é um fim em si mesmo. Com o álibi de defender a sã doutrina, ofensas são proferidas a irmãos e o Evangelho, não poucas vezes, é envergonhado. Vi certa vez um jovem que expôs um pastor em praça (post) pública, propondo a queima do “herege” na fogueira virtual de maledicências do Facebook (fogueira alimentada pelo combustível das “curtidas”) porque tal pastor tinha uma posição diferente da que tinha o tal jovem em certo assunto, posição que, diga-se de passagem, não tem consenso nem mesmo entre teólogos sérios e respeitados no meio reformado.

Jovens como este muitas vezes agem como “justiceiros virtuais reformados”. Um justiceiro é aquele que decide punir criminosos à margem da lei, tomado pelo desejo de “fazer justiça” com as próprias mãos. Estes jovens, se estivessem seriamente comprometidos com a Igreja, denunciariam tais pastores aos concílios responsáveis e, caso fosse provado que são falsos mestres, eles poderiam ser corretamente disciplinados. Mas parece que o Facebook é o novo concílio e tais pessoas, do alto de sua sabedoria teológica adquirida na leitura de meia dúzia de livros ou artigos, as autoridades supremas para decidir pela queima de “hereges”.

O amor pela doutrina não pode ser um fim em si mesmo. Eu sei da beleza intelectual que há na teologia reformada, mas tem acontecido com muitos o que expressa Oswaldo Montenegro em uma de suas músicas, em que diz: “Eu amava como amava um pescador que se encanta mais com a rede que com o mar”. Aqueles que amam a doutrina pela doutrina deixam de contemplar a beleza do Deus que se revela por meio de seu Filho Jesus Cristo, da mesma forma que o pescador encantado pela rede deixa de lado a beleza do mar.

O caminho bíblico é diferente do que tem acontecido e que é alvo de minha preocupação. Josué é ordenado por Deus a não deixar de falar do Livro da Lei. A responsabilidade em falar seria grande, mas “antes [disse também o Senhor], medita nele dia e noite, para que tenhas o cuidado de fazer tudo quanto nele está escrito” (Js 1.8). Josué precisava meditar, fazer e falar.

No livro de Esdras, vemos algo parecido. O texto diz que a boa mão de Deus era sobre ele, “porque Esdras tinha disposto o coração para buscar a Lei do Senhor, e para a cumpir, e para ensinar em Israel os seus estatutos e os seus juízos” (Ed 7.10). Percebeu? Buscar (meditar, estudar), fazer e falar.

A doutrina tem por objetivo apontar para Deus e dar glória a ele. É isso que você percebe na carta aos Romanos. Paulo, após 11 capítulos expondo a doutrina da salvação, terminou extasiado, dizendo:

“Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os teus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Rm 11.33-36).

Quando o estudo da Teologia não conduz você à adoração e obediência, para a glória de Deus, ele é vão e apenas acrescenta sobre a sua cabeça maior condenação.

Aqueles que se preocupam em espalhar a boa doutrina estão certos, mas, se querem honrar a Deus, precisam estar ligados a uma igreja e comprometidos com ela. Ser membro do corpo de Cristo não é opcional para o cristão.

Da mesma forma, devem amar a Cristo e aos irmãos, e isso se refletirá até mesmo nas discussões teológicas, onde o objetivo não será mais vencer o debate, mas dar glória a Deus e levar irmãos ao entendimento da verdade.

A doutrina reformada, por ser bíblica, é bela! Entretanto, ela não aponta para si mesmo, mas para aquele que é a sua fonte, o Soberano Deus e Pai do nosso Senhor Jesus Cristo.

Creia, adore e faça! Não tente fazer sem crer, tampouco sem dar glória a Cristo, a fim de não cair no erro de, ao querer “reformar” a Igreja, acabar prejudicando e trazendo transtornos, além de ser achado em falta diante de Deus.

Milton C. J. Junior

0 comentários:

Postar um comentário